Vicente Calixto, o Vicente do Caraça, a simpatia em pessoa, completa oficialmente seus primeiros 80 anos. Não se sabe exato quando nasceu, mas a carteira de identidade, feita para o Processo de Tutela, o dá como do dia 14 de outubro de 1915.
Ele, que é uma força da natureza, água limpa de nascente, marca sua idade pela maravilha que é, cada ano, a rebrota do carvalho da frente da Cantina, a cuja sombra gosta de sentar-se, enquanto fica vendo o espetáculo do mundo à sua volta. Têm razão todos os que acham que já tem mais de 80, até bem mais. Já foi muito mais forte, quando rachava lenha e plantava sua roça de milho, mandioca e abóbora, perto da Casa da Ponte, aonde já não vai nem para matar saudades. Talvez nem tenha saudades de nada, pois vive o minuto esplêndido e o celebra no sorriso, no cumprimento de mão dada aos amigos, no sorvete que come com delícia quando lhe dão, no refresco que hoje substitui a cerveja que o baqueava e lhe fazia mal.
É de ver como começa, em meados de agosto, a assanhar-se, a alegrar-se, porque está chegando sua festa. Se não entende de leitura de calendários e previsões, tem o olho muito limpo que sabe ver os primeiros brotos do carvalho, suas primeiras mínimas flores, a folharia vasta e portentosa, a sombra acolhedora, cheia de passarinhos. E marca sua vida, seus aniversários, pela primavera que ele sente na pele e na ponta mais alta do coração.
Quando nossa sacristã e enfermeira saiu em férias, Vicente ficava inquieto, perguntando quando voltaria. Quando a viu, ele me contou, tacou nela aquele abraço. E abriu os dois braços, igualzinho como quando mostra o tamanho em que estava a lua cheia na noite anterior. Eu concluí que a Ione é a lua cheia do Vicente. Tem mesmo que ser muito feliz e inocente, merece todo luar e todas as constelações. Que Deus o conserve ainda com saúde, por muitos anos, para alegria do carvalho, do vento, da lua, das abóboras e de todos nós.
Pe. Lauro Palú, C.M.