Um leitor achou meio bobinho o primeiro “mistério”, que comentei na edição precedente deste jornal. Talvez porque não tenha percebido a importância de observar os pormenores da realidade à nossa volta. Se eu não observar os rastros pelos chãos do Caraça, posso ser surpreendido por um animal perigoso, posso pisar numa cobra, posso deixar de ver algum bicho extraordinário ou raro que está por perto…
Pois foi isso que me chamou a atenção para um comportamento estranho de um santo da nossa sacristia. É uma imagem barroca de Santo Estêvão, um dos primeiros sete diáconos da Igreja, o primeiro que morreu mártir. A imagem o mostra com os paramentos usados no século XVIII, quando de sua feitura. Além da batina e da alva, o santo tem a dalmática, que era usada pelos diáconos e subdiáconos, e o manípulo. Hoje, não há mais subdiáconos e não se usa o manípulo.
Nossa imagem tem um resplendor de metal dourado sobre a cabeça. Corresponde à auréola que marca os santos nas pinturas e nos vitrais. Pois foi aí que apareceu o comportamento misterioso e inexplicável do santo…
Muitíssimas vezes, ao chegar à sacristia para as missas e outras cerimônias, eu via o santo com o resplendor virado, quase como os bonés que os adolescentes gostam de usar de lado… Mas os santos, em geral, não são disso. Eu punha na posição certa e ia celebrar a missa ou fazer o batismo, o que fosse. E ao voltar, várias vezes, o santo já estava de novo com o resplendor de lado, quase como se fizesse como os garotos quando sacodem a cabeça para tirar dos olhos as mechas de cabelos compridos. Os outros padres não tinham reparado. Pensei que fosse brincadeira de alguém, mas ninguém nem notara e nem disse que fazia aquilo.
Vento não era, pois, com o frio que fazia, as vidraças estavam abaixadas. Gente de fora não costuma entrar a sacristia, e eu teria visto. Às vezes, me demorei, arrumando as túnicas, para ver quem mexia no santo ou se seria ele que se incomodava e se sacudia, o que nunca esperei comprovar… Até que um dia…
Meu cálice tinha sido levado para receber nova douração, um presente carinhoso do Caraça para os meus primeiros 50 anos de Padre. Para a missa, fui usar o cálice reservado para as visitas, um senhor cálice, diga-se de passagem, solene, cheio de filigranas da melhor feitura. Lá estava o santo, olhando o céu, com o resplendor direito na cabeça. Depois da missa, guardei o cálice no armariozinho, fechei a portinha, e foi aí!
Quando fechei a porta do armariozinho, sacudiu-se uma parte da bancada onde estava Santo Estêvão e o resplendor girou na cabeça dele. Era isso.
E o engraçado é que não gira mais. Certamente, ao espanar a bancada, a sacristã mudou um pouco a imagem, ficou num equilíbrio diferente e acabou-se aquele balancim que girava o resplendor.
E acabou-se o mistério. Afinal, o santo não era de brincadeira, nem chegou a ser um “mistério” de verdade. Mas que temos que olhar para os santos, para ver se estão satisfeitos ou se estão resmungando, isso temos mesmo.
Padre Lauro Palú, C.M.