Terminou a reforma da adega do Caraça. Situada no térreo da parte da frente da casa, à esquerda, distingue-se, externamente, por uma porta bem mais larga que as janelas. Por essa porta saíram as antigas dornas de madeira, largas e possantes, e entraram as novas, de aços inoxidáveis, conforme as exigências atuais das normas sanitárias. Foram essas exigências, às quais se tem que obedecer para os produtos serem certificados, aprovados, vendidos e comprados legalmente, que levaram a substituir muitos dos aparelhos e apetrechos da antiga adega.
Nos espaços frios da adega, as paredes de pedra, agora revestidas de finos azulejos e ladrilhos, garantem um clima altamente propício ao amadurecimento dos vinhos ali fabricados. Este ano, por exemplo, as atividades só começaram após o término da reforma. A primeira foi a fabricação do hidromel, uma das antigas tradições do Caraça, uma das bebidas mais antigas do mundo. Logo depois, esvaziadas e limpadas as dornas, começou a fabricação do vinho de laranja, com a colheita sadia e abundante da Fazenda do Engenho. Nas épocas certas, virá o chamado verdadeiro vinho, o de uvas, depois o de jabuticaba, o de tangerina, se os atuais encarregados recuperarem as receitas antigas, do tempo do seminário.
Nos tempos do Luís da Vinha, o mais demorado funcionário no ofício dos vinhos e da adega, fabricavam-se esses vinhos mencionados, mais a grapa ou graspa de uva e a cachaça de cana-de-açúcar. O alambique ficava perto do local da atual lavanderia. Havia uma bebida muito forte, um verdadeiro conhaque, naquela gradação muito alta, feito de manga, outro feito de banana, outro de milho. Não se sabe se todos esses segredos foram conservados e se teremos as mesmas produções. Mas é importante estar o tempo todo fabricando alguma coisa, mantendo em uso as dornas, os tonéis, as grandes pipas de reservas, etc.
O processo da reforma da adega foi conduzido, acompanhado, sancionado, com as ajudas dos parceiros da Universidade de Viçosa e de outros interessados, como a EMATER que está assessorando o necessário para obtermos os registros dos vinhos. A Universidade terá um campo para seus alunos e estagiários, acompanhados dos seus professores e de técnicos industriais que ajudem na confecção dos vinhos, licores, conhaques, grapas, etc.
Alguém se pergunta como todas essas bebidas altamente tradicionais e tradicionalmente perigosas podem ser fabricadas pelo Caraça. Estamos na linha dos mosteiros medievais e de suas receitas ultrassecretas, dos beneditinos, camaldulenses, cartuxos, etc. Na França, o vinho fabricado pelos Padres da Congregação da Missão era famoso, no sul da França, disputado pelos entendidos e comprado na fonte pelos apreciadores e pelos bons fornecedores e revendedores. Os vinhos do Caraça estão nessa linha e alcançarão novamente os padrões antigos.
O problema não é a fabricação, não é ela que embebeda as pessoas, mas a sofreguidão, a pressa dos que bebem, os excessos pelas surpresas ou excelências dos gostos, pelo inesperado das qualidades. Por tudo o que significa a reforma da adega do Caraça, devemos levantar um brinde ao bom gosto, ao cultivo ou à cultura dos prazeres legítimos da vida. Prosit. Prost.
Padre Lauro Palú, C.M.