Quando voltei para completar a comida dos jacus, eles comiam vorazmente as pipocas da noite anterior, no muro do jardim, fazendo a algazarra de sempre, e me chamaram a atenção uns rastros ao lado do muro. Era como se um bando de gente com o mesmo tipo de tênis tivesse ficado ali, olhando a paisagem, esperando o espetáculo do pôr do sol ou alguma coisa semelhante. Mas eu não vira ninguém por ali, quando pus as pipocas e fiquei esmigalhando os pães de queijo que os jacus não conseguem pegar nos bicos e não conseguiriam mesmo jamais engolir inteiros. Os hóspedes estavam indo tomar café e eu não tinha visto mais ninguém por ali.
No jardim, cada manhã, especialmente depois de chuvas ou chuviscos, depois das garoas insistentes de janeiro, sempre olho o chão, para todo lado, procurando ver os bichos que nos visitaram de noite ou de madrugada. Assim foi que descobri que a anta nos visitava cada noite, em janeiro, fevereiro e março do ano passado. Também já faz dois anos que noto os rastros pequenos dos cachorros-do-mato. Uma vez até me pareceu que era um rastro de onça, com a almofada da pata, grandona, redonda, e os três dedos também redondos, grossos, sem as unhas, que elas recolhem (as unhas terríveis), para não perderem o fio ou não fazerem barulho nos gravetos ou na areia. Só depois de algumas fotografias é que notei a distância regular entre um rastro e outro e me lembrei de que deveriam ser quatro dedos e não três… Não era onça coisa nenhuma, era o salto de um tênis diferente…
Gosto de ver os pés das crianças que brincaram por ali na véspera, de tardinha, antes do banho. Vejo adultos caminhando descalços, sentindo a areia na sola dos pés, entre os dedos, boa para se coçar alguma picada de inseto no pé ou na canela…
De quem seriam, então, aqueles rastros, tão uniformes, tão próximos, como se as pessoas estivessem se empurrando ali junto do muro, para ver alguma coisa? Na realidade, nem parecia que se empurraram, pois os rastros estavam muito parelhos…
Só dali a pouco, percebi que meu tênis também tinha o rastro misterioso. E vi que era eu mesmo que os tinha feito. O saco de plástico está pela metade com as pipocas da véspera. Pego a ponta de baixo, sacudo para caírem as do fundo e vou derramando pouco a pouco até os piruás do fundo do plástico. Para não deixar num só lugar, vou andandinho, de lado, afastando-me menos de um palmo em cada passada. Eram os meus rastros, em que antes eu nunca havia reparado…
Se todos os mistérios do Caraça fossem fáceis assim! Os outros me deram mais trabalho… especialmente o terceiro, que contarei depois.
Padre Lauro Palú, C.M.