Callicebus nigrifrons, que em latim significa macaco lindo (cara preta), ou simplesmente “Guigó”, são macacos de médio porte. Utilizam florestas primárias, secundárias, estratos baixos de matas de galeria ou borda de largas clareiras no interior da floresta. Sua dieta consiste em 70% de frutos, muitas folhas, sementes macias e insetos. São hábeis saltadores mesmo estando com os filhotes nas costas.
Apesar da pouca idade, a jovem francesa Mélissa Berthert tem um objetivo traçado em sua vida: “Compreender melhor a linguagem humana; através da comparação de sons do macaco que ela estuda, outros primatas, e homem”. Isto ainda vai demorar algum tempo, e vamos esperar quais serão suas respostas na conclusão da sua tese. Nesta entrevista, ela fala um pouco de sua vida, seus estudos, e objetivos.
Entrevista com Mélissa
Jornal Voz Caraça: Faça um breve resumo de seu currículo escolar, suas origens, e como foi a sua vinda para o Brasil, especialmente para o Caraça?
Mélissa Berthet: Eu sou francesa, tenho 23 anos, e formei em Biologia e em seguida, fiz o mestrado em “comportamento animal e humano”, na França. É interessante salientar que nosso mestrado é um pouco diferente do Brasil, durante o curso, nós temos que fazer dois estágios. O primeira durou dois meses, com o estudo de lateralidade do chimpanzé, também no meu país; e o segundo durou seis meses, quando estudei o sistema vocal do Bugio Preto no México (em colaboração com uma universidade francesa). Então, depois de meu mestrado, eu obtive a licença para iniciar meu PhD na Suíça na universidade de Neuchâtel, em “ Macacos Titi e sua Comunicação Vocal”. Então, por que o Caraça? Foi através da pesquisadora brasileira Cristiane Cäsar, ela tem acompanhado as populações “Titi”, aqui há dez anos. Ela decidiu estudar a comunicação vocal desses macacos por causa do seu sistema vocal ser realmente muito complexo. Ela em contato com Klaus Zuberbühler, que é um especialista de comunicação em primatas não-humanos, começou seu doutorado sob sua supervisão. Quando ela acabou em 2011 seus estudos, eles decidiram contratar outro estudante para continuar seu trabalho, no mesmo local. Eles me apresentaram a proposta, eu aceitei, e aqui estou eu!
JVC: Há quanto tempo você está no Caraça, e como é a sua rotina diária?
Mélissa Berthet: Então, eu estou no Caraça desde o início de outubro e vou ficar até perto do Natal deste ano. O que faço atualmente é um estudo piloto, eu aprendo sobre os grupos de macacos, as florestas, vou formulando as questões que vão sendo apresentadas na observação e vejo como posso respondê-las. Eu voltarei em abril 2015, ficando cerca de um ano para o meu estudo principal.
No meu estudo piloto, eu estou sozinha a maior parte do tempo. Às vezes, aparece um estudante de biologia, ou então pode ser também um monitor do Santuário do Caraça que vai comigo para me ajudar. Depois, durante o estudo principal, eu vou ter um assistente em tempo integral para me ajudar na coleta de dados no campo e também um estudante de mestrado, que terá seu próprio projeto conectado com o meu doutorado.
Minha rotina diária: Vou cedo para o campo de trabalho, e tenho que chegar por volta de 7:30h, e fico observando os macacos. Temos algumas trilhas na floresta para caminhar através de seus territórios, (uma família vive toda sua vida em um mesmo território), e tentamos localizá-las com suas vocalizações; os macacos emitem sons na parte da manhã, dois adultos da família unidos para delimitar seu território, ou apenas para encontrá-los ou direcionar o grupo. Fico no campo até às 17:00h registrando o comportamento, suas vocalizações, e os eventos que temos durante o dia, por exemplo um encontro com um predador, ou então uma luta entre os indivíduos de uma mesmo grupo. Coleto meus dados durante a semana no campo e analiso no final da semana.
JVC: O que você destacaria como a mais importante observação ou descoberta em sua pesquisa no Caraça?
Mélissa Berthet: A pesquisadora Cristiane Cäsar em seus estudos descobriu que os macacos Titi (Guigós) podem codificar o tipo de predador (ave de rapina, onça, etc…) e a localização (no chão ou na copa) em suas chamadas de alarme. Isso é realmente interessante e mostra que esses macacos têm capacidades vocais e mentais elevadas. Atualmente, eu não tenho resultados concretos, porque este é apenas o início do meu doutorado.
JVC: Você disse que iria tentar reproduzir os sinais de “voz” dos macacos, já alcançou algum resultado ou entrou em contato com eles?
Mélissa Berthet: Não, ainda não, vamos tentar na próxima semana, eu acho. Cristiane Cäsar fez alguns durante o seu doutorado, e ela mostrou que quando os macacos ouvem uma chamada de alarme, eles sabem que se têm que olhar para o chão ou para o alto para encontrar o predador.
JVC: Uma das principais diferenças entre o homem e o macaco, é a língua, como você disse. Há estudos que dizem que a linguagem humana se reduz em um único tronco, o que você acha disso, e como isso pode ter alguma ligação com o sistema vocal de não-humanos?
Mélissa Berthet: Na verdade, aqui, nós temos que fazer a diferença entre a linguagem humana (que significa o fato de que os seres humanos podem se comunicar verbalmente com palavras, gramática, com os acontecimentos externos, que são muito diferentes dos macacos, no tempo ou no espaço). além das línguas utilizadas pelos humanos (como português, francês, inglês, etc …). Eu não estudo a origem e evolução das diferentes linguagens que o ser humano faz uso, eu apenas estudo como é que humano conseguiu ter tal capacidade tão complexa, em comparação aos macacos. Então, eu sinto muito, mas não posso responder integralmente a essa pergunta, como eu realmente não sei, eu não quero dizer algo errado!
JVC: Como e quando será a conclusão do seu trabalho aqui no Caraça?
Mélissa Berthet: Meu PhD vai terminar em maio de 2017, por isso vou ficar aqui até mais ou menos maio de 2016 no Caraça para coletar dados e, em seguida, voltar para a Suíça para analisar e escrever a tese.
JVC: Você acredita que o homem evoluiu do macaco?
Mélissa Berthet: Na verdade, isso não é exatamente assim. Darwin disse que os humanos e os macacos têm um ancestral comum, e em seguida, macacos e humanos divergiram, eles evoluíram de forma diferente. E hoje, nós temos provas suficientes para considerar que isso é verdade. É por isso que nós trabalhamos em pequenos macacos e grandes macacos para investigar a origem da linguagem humana: mesmo que esta não evoluiu da mesma forma, temos um ancestral comum com cada espécie de primata.
Por exemplo, o mais recente grupo de primatas a divergir da linha humana era os grandes macacos (chimpanzés, gorilas), enquanto os “macacos do Novo Mundo” (os macacos da América do Sul) divergiram antes destes: Então eles estão menos perto de nós do que os grandes macacos. São como primos e primas de segundo grau em uma grande família!
Assim, investigar o sistema vocal de um número de espécies de primatas ajuda a compreender as características de cada ancestral comum que temos com cada espécie, e como sabemos o quão longe de nós está este último ancestral comum, acho que reconstituir e analisar os sons, faz sentido através do macaco.
JVC: Mas existem cientistas darwinistas, que já abandonaram o darwinismo ortodoxo, por não ser encontrado no registro fóssil, tipos intermediários em lugar algum do planeta, o que pensa sobre isto?
Mélissa Berthet: Tudo o que posso dizer é que o fato de que pesquisadores não encontrarem fósseis de organismos intermediários não significa que não existia. Sabemos apenas algumas poucas coisas do que aconteceu na terra antes de nós, e há ainda muitos lugares para se procurar evidências de fósseis!
JVC: Para finalizar, qual sua impressão sobre o Brasil e seu povo?
Mélissa Berthet: Praticamente só tenho contato com pessoas do Caraça, mas o que eu posso dizer é que elas são adoráveis! Todo mundo é muito bom, e estão ajudando para a minha pesquisa, para melhorar o meu português, e para tornar a minha estadia melhor. É incrível como todo mundo é tão atento! E a pouca coisa que eu sei do Brasil se restringe basicamente ao Caraça, eu só posso dizer que é impressionante estar aqui!
Edição Especial – Dezembro 2014 – Jornal Voz do Caraça
Reportagem: Francisco Emery