A sorte dos jacus depende do número dos hóspedes do Caraça: se comem todas as pipocas, enquanto esperam o lobo-guará, não sobra nada para ninguém. A solução, nessas manhãs, é servir o pão de queijo dormido, algum resto de torradas, pedaços de bolo arrebentados e feios de servir nas bandejas; às vezes, algum pão velho, duro e até meio mofado… Vão comer? Comem, vorazmente, não raciocinam, não devem ter dor de barriga nem disenteria. Se têm, não contam e na manhã seguinte avançam novamente…
Quando desço pela escadaria da frente da igreja, venho sacudindo o saco de plástico e eles acorrem de todo lado, atraídos pelo barulho. Correm, voam baixo, em silêncio. Algum turista já achou graça, pois vou falando com os jacus em francês… Quando começo a pôr a comida no muro do jardim, fazem um barulhão inimaginável. Os machos arrepiam a crista, como se fossem mutuns, avançam nos outros machos para defender a comida para suas fêmeas; às vezes, brigam de frente, em pulos altos, como fazem os grous coroados; não fogem nem diante dos gaviões, que também vêm disputar pipocas e bolos de fubá. Quem iria imaginar um caracará disputando piruás… Apesar de predadores formidáveis, os caracarás chegam cautelosos, dando voltas sobre o jardim, antes de descerem ao muro ou ao chão.
Alguns jacus vêm comer na minha mão, quando estão bem desesperados ou gulosos. Bicam com gosto, mas não ferem. O tanto que chegam perto depende da cor de minha camisa…
Os pães de queijo já endurecidos jogo lá em baixo, no fundo da pirambeira onde se eleva o muro do jardim. Quem come por lá são os quatis, que devem fazer festa com a chuva bíblica de pães de queijo (alguns autores dizem que já está na mitologia dos quatis que, quando não há chuva de água, às vezes há chuva de pão de queijo)… O que os quatis não comerem, vão comer as lesmas, os besouros, os grilos, um sapo barrigudo (sei lá se sapo tem esses requintes culinários…).
No muro do jardim, aparecem também os carrapateiros (hoje mesmo espantavam jacus e tico-ticos e fugiam de um filhote grande de caracará), os tiês tingas, os sabiás, os sanhaços azuis e às vezes o milagroso sanhaço-de-fogo, lindo mais que tudo, as viuvinhas, muitos canarinhos chapinhas, alguns bem-te-vis e outros irregulares, que só vêm de vez em quando.
Depois dos passarinhos vêm as formigas, que não são bestas de vir quando há passarinho bicando…
E a Providência de Deus assina em baixo.
Pe. Lauro Palú, C. M.