Primeiro, chegava-se apenas a pé aos vales do Caraça, sabe-se lá por onde. Fala-se de uma entrada pelo Inficionado, ladeando os abismos e precipícios da Bocaina. Havia também a estreita calçada que desce ao lado da Verruguinha. Por ali passou o velho Bispo de Mariana, esconjurando nossas distâncias e o duro da estrada. Por ali vi chegar, em 1955 ou 56, uma cavalhada de Mariana.
Dom Pedro I, em 1831, e Dom Pedro II, em 1881, vieram pelo vale da Cascatona. Essa estrada, de trechos bem conservados até hoje, é vicinal da estrada real, que vinha de Ouro Preto, passava por trás do Inficionado, ia para Catas Altas e seguia para Diamantina. Perto da Cascatona, nos impressiona a altura do muro que o Irmão Inácio Freitas construiu, depois de 1842, para melhorar nosso caminho, preparando, desde lá de baixo, ao lado da pedreira quase vertical, a base ampla em que pudessem passar cavaleiros, liteiras, carros de bois, mudanças de padres e professores que vinham trabalhar no Caraça e os alunos, com seus enxovais de baús.
Na década de 1930, abriu-se o leito da estrada de rodagem, do que ainda é, em grande parte, a partir de 1976, o asfalto milagroso que nos põe ao alcance da civilização, em meia hora.
Não foi sempre fácil assim chegar ao Santuário nem sair daqui numa emergência. Eu vim estudar no Caraça em 1953. Viemos de avião do Paraná até São Paulo. E de lá, de trem, para Belo Horizonte. Da Praça da Estação, saímos de táxi, dia 4 de janeiro, ao meio dia, chegando ao Caraça às 4 da tarde.
Não me lembro de mais nada, da primeira chegada ao Caraça, além do zigue-zague. Eu tinha feito treze anos e vinha estudar para ser padre. Estava compreensivelmente angustiado, porque meus pais me deixariam no Caraça e voltariam para casa. Não era novidade viver longe da família, pois estudara interno em Londrina e em Curitiba. Então não era por isso. Mas além de angustiado, veio o enjoo no estômago. O táxi era confortável, mas a estrada não.
Para vencer os 600 e tantos metros de diferença entre a Baixada do Engenho (Brumal, Sumidouro, Santana do Morro, Arranca Toco e nossa Fazenda) e a altitude do Seminário, a estrada que o velho Minervino criou do nada, servindo-se de um burro e uma carrocinha, vinha fazendo curvas, com o aclive que os caminhões da época conseguiriam vencer. A lombada mais íngreme foi vencida por um prodigioso zigue-zague de dezoito curvas apertadas, onde um caminhão maior tinha que ir e vir, manobrando nas estreitezas que fora possível abrir nos rochedos.
Pois foi esta LEMBRANÇA que me ficou, mais nada. Subíamos tanto, uma curva depois da outra, tantas e tão fechadas naquele aperto entre pedreiras, entre barranco e abismo, que senti apenas isto, na maior aflição: Chegamos aqui em cima e o mundo acaba de repente, no maior precipício, acaba o mundo.
HOJE, vindo de Belo Horizonte ou de Vitória, deixamos a BR 381, perigosíssima como a própria vida, atravancada de carros, ônibus e caminhões de todos os tamanhos, agoniados, de dia e de noite, pela insegurança total em que sobrevivemos por pura graça de Deus, entre carretas, jamantas, turbinas de hidrelétricas, vigões de aço de viadutos, as cargas mais ricas e mais excessivas, e, de repente, É O CÉU!: já entramos no trevo para Barão de Cocais.
Especialmente de noite: pista refeita há pouquíssimos anos, bem-feita e conservada milagrosamente, com largura e acostamento humilde mas mais que suficiente para o pouco movimento e, sobretudo, os olhos-de-gato, esses sim deslumbrantes na noite, vermelho, amarelo e branco, as três faixas harmoniosas do tapete em que voamos na noite, até chegar.
Padre Lauro Palú, C.M.
Foto: Arquivo do Caraça