Não é só criança. Muitos adultos também perguntam, lá no adro, com todo mundo ouvindo, ou quando me encontram pelos corredores: “Você já tocou a mão no lobo? Já fez um carinho nele?”
Eu retribuo, perguntando às crianças, na hora do café, se sonharam com o lobo. E sempre estimulo a fantasia e o desejo delas, dizendo que, no sonho, só no sonho, podem subir no cangote dele, segurar nas duas orelhas e sair montando a cavalo nele, mas só no sonho.
Que fascínio é este? É uma lembrança de quando a gente vivia nas cavernas ou nas estepes e os animais eram nossos vizinhos, nossos inimigos, nossos antepassados, nossos deuses? É certo que se trata de algo muito ancestral, muito antigo, anterior às memórias e às crenças, ao medo e à felicidade.
Os estrangeiros chegam com seus guias marcados na página de Minas, do Caraça, do lobo-guará. Já leram as informações, sentiram os primeiros arrepios, acham que já estão sentindo o primeiro cheiro, imaginam aqueles olhos brilhando no escuro, como brasas vivas, juram que estão até ouvindo os passos absolutamente silenciosos do animal na areia do pátio, nos degraus da escada, quando a chegada dele destampa, desencadeia, atiça as emoções, e ali está o animal sagrado, mágico, místico, na frente da gente, tão grande, tão alto, tão fino, lindo e forte, vivo, olhando a gente, dando-nos as costas como se não existíssemos, não o pudéssemos espantar ou matar.
Da parte das pessoas também há variadas mitologias. Imaginam um animal como o do hemisfério norte, feroz, babando ódio, espumando carnes arrancadas do corpo aterrorizado das presas. Pensam nele no mato, esquivo, perigoso, inalcançável. As crianças não sabem o que é tudo isto, mas já foram envenenadas contra o lobo-mau, sofrem de pensar que um animal vai chegar, perigoso e terrível.
Nisto o Caraça tem feito belamente seu papel de educador ambiental, quebrando o estereótipo, desfazendo o preconceito, revelando a beleza do guará, sua elegância, seu silêncio, sua coragem, seu olhar desassombrado, sua finura, quando vai da bandeja à ponta da escada, onde observa se estão por ali os rivais ou os inimigos, os outros lobos-guarás com quem brigará pela posse do território e pela fêmea, ou os cachorros-do-mato, que disputam o ponto de comida, não o território vasto, os campos inundados de luar, as serras coroadas de imensas estrelas, os caminhos desertos, os espaços cheios de vida e surpresas.
A mim sempre me impressionou o fato de vir da noite e sumir novamente na noite funda. E ainda escuto, ao longo de 63 anos, nas angústias pesadas da noite, o latido solitário, na treva infinita, no espaço selvagem, entre mistérios, entre ameaças, latindo por quê? Agora, quando acontece de nos encontrarmos só os dois no adro da igreja, converso com ele, mas não me responde. Pergunto como foi o dia, o que comeu, do que que gosta, se teve alguma surpresa, algum susto. Não diz nada.
No conjunto, as pessoas se encantam com esse mundo místico, selvagem, que entra em contato conosco, vem ao nosso meio, cria esses laços de encanto e maravilhamento, e depois se vai, como se já não nos pertencesse, como se pudesse simplesmente desaparecer, depois de ter-nos aberto as portas para a admiração mais feliz, a alegria mais pura, a coragem mais natural e instintiva. Sinto com as crianças o fascínio primitivo, feito de adoração e terror, de alegria e paz. E acho que sinto, com os adultos, que ele é realmente soberbo, tremendamente confiante, corajoso mais do que nós que não iríamos, quem sabe, comer no meio de um bando de lobos que nos olhassem e alguns que até nos fotografassem… Penso no que o lobo sente quando vê a anta e os cachorros-do-mato que vão comer na sua bandeja, o que ele achava da jaratataca, quando ela também aparecia, se tem saudades dela ou dá graças a Deus de ela não ficar mais por ali, com aquele arzinho de sai-daqui-que-eu-vou-soltar-um-pum-bem-fedorento. Não o vi em família com a mãe e os filhotes, mas é gentil e atento, corajoso e presente.
Alguns hóspedes sentem o arrepio mais sutil, quando ele vai para a ponta da escada, fica vendo se há outros lobos ou os cachorros-do-mato, e eu lhe digo: “Pode voltar, já foram embora, não ha mais ninguém ali”, e ele volta para a bandeja. A avó disse: “É a voz dele, que é calma”. O neto respondeu: “Mas ele entendeu tudo. Se não, não voltaria”. Os dois vão voltar de viagem com essa frase na memória. Um mistério a mais na vida de uma criança, juro, só lhe faz bem.
Padre Lauro Palú, C.M.