Até junho deste ano, em cada mês (procurar datas na reportagem ) o Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens receberá o organista Lucas Raposo, para duas apresentações, num espetáculo de timbres, intensidades e alturas. A primeira apresentação do organista Raposo, neste ano, aconteceu nos dias 27 e 28 de fevereiro, logo após a celebração das Missas de sábado e domingo, como se fará nos outros meses. Qual igreja, em nossa região, tem o privilégio de ter um órgão de tubos e contar com esses sons de beleza ímpar? E ainda a sorte de encontrar, sentado entre o teclado e os tubos, o brilhante organista Lucas Raposo? Realmente, um órgão do tipo do Caraça não existe em nenhuma igreja em nossa região! Uma pena? Até que poderia ser, mas o Caraça, está perto de nós e nos dá este presente musical. Os concertos mensais são abertos ao público, para quem quiser ouvir e maravilhar-se com a sonoridade tão especial desse instrumento.
O novo órgão: Datado do ano 1863 (início de sua construção), este foi um dos bons órgãos de tubos construído aqui mesmo em Minas Gerais, pelas mãos habilidosas do Padre Luís Gonzaga Boavida, com 628 tubos. Padre Boavida utilizou muitos tubos franceses e portugueses, do antigo órgão que já havia na Casa e que o Padre conhecia bem, pois o restaurara anos antes. Como bom músico, matemático e marceneiro, o Padre construiu, ele mesmo, mais 170 tubos, com madeiras do Caraça. O órgão finalmente ficou pronto no ano de 1883.
O organista Raposo e o organeiro Clérice: O órgão do Caraça viveu anos difíceis no século 20, com sua total paralisação. Como disse o organista Lucas, “O que mais me surpreendeu naquela primeira visita foi encontrar o órgão praticamente morto”. Com a chegada do organeiro Ricardo Clérice, a convite de Lucas, os ventos mudaram e o Caraça teve de volta o seu órgão de tubos.
Estivemos no Caraça nos dias 27 e 28 de fevereiro, para acompanhar as apresentações e bater papo com o organista Lucas Raposo. Nascido na cidade de Patrocínio, MG, o maestro é formado em jornalismo e na escola de música da UFMG, tendo trabalhado vários anos no Diário Oficial de Minas Gerais. Conciliando perfeitamente o jornalismo e a música, tem muitas histórias para contar, principalmente em sua relação com o Caraça e o órgão secular…
Entrevista:
Jornal Voz do Caraça: Primeiramente, que história é está, de que o senhor veio de bicicleta, de Belo Horizonte até ao Caraça por causa do órgão?
Lucas Raposo: Realmente eu vim de bicicleta para conhecer o Caraça, mas não estava bem informado de que era no alto da montanha, penso que confundi com o Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, que fica às margens da rodovia. Cheguei, exausto mas inteiro…
JVC: Como foi a primeira impressão que teve do órgão? E as primeiras providências que tomou?
Raposo: A primeira impressão foi incompleta, pois não havia condições de experimentar o som do instrumento, nem minimamente. Assim, percebi apenas que o órgão merecia ser recuperado. Decidi convidar o técnico Ricardo Clerice. Ele apresentou a proposta de recuperar o órgão e o diretor do Caraça, à época o Padre Tobias, passou a buscar patrocinador. Isso em 1984. A prefeitura de Santa Bárbara assumiu a restauração do órgão e o serviço foi executado em 1985. Desde então não deixou de funcionar, pois as sucessivas administrações do Caraça têm o zelo de contratar as manutenções e afinações periódicas.
JVC: Qual a importância de ter este órgão todo restaurado e poder realizar concertos mensais nesta “máquina de sons”?
Raposo: A importância de ter este instrumento funcionando e sendo usado seguidamente há mais de 30 anos cresce pelo fato de que muitos órgãos antigos já deixaram de soar e até desapareceram. Um bem patrimonial tão importante se destaca por estar em condições de ser tocado completamente.
JVC: Qual o repertório que o senhor estará usando nestes concertos no Caraça?
Raposo: O repertório no órgão do Santuário do Caraça está condicionado pelas características do instrumento. Por ter sido o seu construtor um padre que não era, no rigor do conceito, um completo organeiro, o resultado foi que as condições finais da obra restringem o repertório possível. Principalmente pela dureza do toque no teclado e as limitações de apenas nove fileiras de tubos. Mas, por outro lado, o Padre Luiz Gonzaga Boavida, o construtor, alcançou níveis raros de excelência em outros aspectos, como a prontidão da resposta sonora e a boa adaptação das sonoridades à acústica da capela.
JVC: Agora um pouco de sua vida. Como foi conciliar sua profissão de jornalismo com a música? Qual das duas lhe agrada mais (risos)?
Raposo: Como jornalista já me aposentei. Mas não havia conflito entre essa atividade e o exercício da música. De fato cheguei a fazer, em 1983, o levantamento quase completo dos órgãos de tubos em Minas Gerais, o que resultou na recuperação de dois instrumentos (Coronel Fabriciano e Caraça). Posteriormente, publiquei (1992) o resultado das minhas observações sobre cada órgão.
JVC: O que o Caraça, mais especialmente o órgão, representa em sua vida?
Raposo: Depois de 30 anos tocando ao órgão do Caraça, tenho a satisfação de perceber que o esforço inicial – encaminhar os serviços no instrumento – foi um completo êxito. Quero então que outros, com a capacidade requerida, possam tocá-lo sempre. Não deixo de me lembrar que os órgãos são construídos para durar mais que organeiros e organistas… Assim, desejo que todos quantos venham a tocá-lo ou simplesmente ouvi-lo tenham momentos de encantamento e elevação.