Dia 18 de julho passado foi o dia mais frio desta década, pelo menos na Serra do Caraça, onde os termômetros marcaram dois graus abaixo de zero, congelaram-se as águas das placas de aquecimento solar e romperam-se dezenas delas. Na baixada de onde sobe o impressionante muro erguido para criar a esplanada do jardim do Caraça, dezenas de bananeiras e todos os lírios-do-brejo ou lágrimas-de-moça (Hedychium coronarium) ficaram não apenas sapecados, mas totalmente torrados, irrecuperáveis. Ao longo do ribeirão Caraça, igualmente, morreram muitíssimas árvores, elas mesmas desacostumadas do frio especial desse dia… Além da seca do ano, o desastre das geadas aumentará o risco dos incêndios na região.
Alguns visitantes do Caraça, meus conhecidos ou conterrâneos, se admiram de que eu sinta frio aqui no Caraça, tendo nascido no sul do Paraná, região de muito frio e muita geada, e ainda reclame. Com o frio nunca me acostumei, sempre achei desagradável. E sempre reclamo. Não reclamo com os hóspedes, porque muitos adoram este frio da serra e preferem vir nos meses mais gelados, o que acho (falando baixinho para não espantar a freguesia) de extremo mau gosto…
Quando eu vinha do Rio de Janeiro, acompanhando as excursões do 6º ano ou do 3º do Ensino Médio do nosso Colégio São Vicente e chegava a hora de ir embora, eu me sentia revoltado, por ter que deixar o Caraça, com tanta coisa a pesquisar, a fotografar, a documentar, a conservar para a posteridade, etc. Mas, logo depois de uma hora e pouco de viagem, quando começava a sentir o calorzinho que caracteriza o resto do mundo (!…), eu me consolava e ia embora menos infeliz…
Nesse dia 18, tivemos dois graus negativos. Nos quartos ou corredores, os termômetros 5, 7, 8, 10 graus, conforme a ala, a direção do vento, as paredes. A horta apareceu toda branca de geada, nas plantações ou sementeiras e nos depósitos de lenha, nas capineiras, até no bigode do funcionário que carreava a água ou limpava os ladrilhos para o conserto da casa dos pesquisadores. Para quem estava dentro de casa, rezando na igreja, digitando no computador, ou das janelas espiava o movimento das aves ou de animais no estacionamento, não foi tanto sofrimento. Mas, para quem não estava protegido, foi de doer na pele, nos ossos, no sangue congelado, no cérebro ameaçando parar por falta da energia vital do calorzinho da gente. Já reparei que os tico-ticos e os sabiás-laranjeiras, neste tempo de frio incrível, parecem mais gordinhos mais volumosos. O professor me ensinou que eles “estufam” as penas, para conservar melhor o calor do corpozinho.
Os canarinhos em bandíssimo no adro da igreja, os jacus espalhafatosos e exagerados no muro do jardim, nem pareceram sentir o frio… Mas, comendo, bem que sentiram a diferença do chão, das pedras do muro, até da roupa dos que iam vê-los depois do café da manhã. Enquanto apreciavam os bichos, cada um se lembrava das duas bocas enormes dos fogões gêmeos do refeitório e do gostoso e vivificador daquele fogo que esquenta as chapas, aquece o pão, derrete os queijos, frita o ovo, assa rapidamente a panqueca, tosta a banana na chapa e já derrete o mel por cima.
Olhando do adro da igreja os que subiram pela ladeira das Sampaias ou desciam dos carros, eu dava graças por estar dentro de casa com as golas das blusas e malhas bem levantadas, protegendo o pescoço e cuidando da tosse… não provoquei ninguém mas continuei achando de muito mau gosto gostar de frio assim de lascar…
E foi aí que os funcionários chegaram contando das placas do aquecimento solar que haviam arrebentado com o congelamento da madrugada… Um belo prejuízo, uma perda de bastante água, agora um gasto extra na energia elétrica para aquecer as águas dos boilers, antes que comecem os hóspedes a morrer debaixo dos chuveiros… Sei que ninguém seria louco de enfrentar a ducha com todo aquele frio. Sobrevivemos todos para contar a nossos netos como é uma fria a manhã do Caraça, abaixo de zero… São os dias quando morre a vegetação local, na beira do rio, lá embaixo do altíssimo muro do jardim, e morrem as árvores e as bromélias dos seus galhos, em frente à Cascatinha, como já aconteceu algumas vezes.
Padre Lauro Palú, C.M.