Em janeiro de 2013, parei de vir tomar férias no Caraça, por um motivo de força maior… É que agora sou diretor do complexo Santuário do Caraça! Quando, brincando e provocando, contei a um casal amigo que não poderia mais passar as férias aqui, senti que ficaram espantados e preocupados com o que me teria acontecido… Quando contei, o casal me abraçou junto, foi tão bacana!
Todo mundo sabe que férias não precisam ser longe, mas devem ser fora, um tempo ou uma ocupação diferente do ano inteiro. Não precisa ser mirabolante, basta que sejam dias de descanso do que fazemos o ano inteiro, mesmo que passemos os dias de férias até bem ocupados com outras atividades, mas se forem novidade, dias de muitas surpresas ou de absoluta mesmice, sem serem chateação, repetição, rotina, falta do que fazer, ou obrigações, não daquelas que nos impomos, como ler vários livros, uma obra completa, alguma coisa assim, diferente, desafiadora, satisfatória, que compense o esforço e a aplicação.
Uma vez, vim de Aparecida, para uns 15 dias no Caraça e estava animadíssimo a passar os dias fazendo ilustração botânica, isto é, desenhando folhas, flores, galhos, paisagens de mata, sobretudo documentando trepadeiras e suas folhas. Comecei numa papelaria, comprei um bloco de folhas excelentes, comprei aquelas canetas de desenho, com as penas muito finas, comprei tinta nanquim, alguns pincéis. A moça embrulhou tudo em papel cor-de-rosa, daquelas bobinas que havia antigamente, e vim embora.
Estes dias atrás, esvaziando uma caixa de papéis e cadernos, encontrei esse embrulho, de uns trinta anos atrás, a cor-de-rosa bastante desbotada e com jeito de velha. Para respeitar meu descanso, nem abri (até hoje!) o tal embrulho… O que terei feito naquele ano, quando vim? A menor ideia.
Com isto, quero dizer que estou viajando para uma de nossas paróquias e só voltarei no mês de junho, se Deus quiser e a Virgem Maria me ajudar, como acabava o programa sertanejo nas rádios de um tempo.
Vou, mais uma vez, para uma paróquia que temos, há quase duzentos anos, em Campina Verde, simpática cidade situada, no mapa, um pouco abaixo e entre as duas cidades famosas do Triângulo, Uberaba e Uberlândia. Na realidade, fico na paróquia os fins de semana, celebrando nas igrejas da cidade e nalguma das comunidades missionadas pelos Coirmãos. Mas os dias da semana, vivo em fazendas da região.
E aí, meu programa é tentador: Dormir muito cedo, às sete, levantar-me também às sete, dormindo doze horas, como um bebê, incrivelmente. De manhã e de tarde, além das obrigações do banho, das orações, do café, almoço e janta, o resto é andar pelos pastos, pelas matas, pelas trilhas, acompanhar as corridas do gado, especialmente das novilhas, para cada lado dos piquetes, onde pastam metodicamente.
Bastante sol, com proteção nas mãos, pescoço e orelhas, usando rarissimamente o caderninho do bolso para anotações aproveitáveis depois das férias, fotografando o que me surpreende ou interessa ou coleciono: Borboletas, cigarras, centopeias, escorpiões, aves, rastros de bichos, espécies de árvores, paisagens, nuvens, grotas, teias de aranha, formatos de folhas, nuvens curiosas, essas coisas que estão aí e quero ver bem e guardar, nas quais me integro e que vão me modelando como gente.
Para nós da Congregação da Missão, Campina Verde é muito importante, do ponto de vista histórico, porque foi nossa primeira casa, missão e colégio, depois do Caraça. Nosso Colégio em Campina Verde, planejado e dirigido pelos mesmos educadores e formadores da Congregação, deu continuidade ao Colégio do Caraça.
Devo dizer que, chegando lá em gozo de férias, não penso na história, não pesquiso a tradição, não me sinto responsável por levar à frente a empreitada humanizadora dos nossos antepassados: Vou de férias, sim, mas de olhos muito abertos, para apreciar o mundo físico, tão diferente da paisagem e da conformação das serras e terras do Caraça.
Meu encantamento começa na estrada, do Caraça a Belo Horizonte, depois até Nova Serrana, com a pista dupla, passando por Contagem e Betim, depois Bom Despacho, Luz, Campos Altos, Ibiá, Araxá, Santa Juliana, Uberlândia, Prata, Campina Verde. No começo, muitas montanhas, serras muito bonitas e o rio São Francisco. Depois, os fabulosos horizontes absolutamente retos. Perto de Belo Horizonte, subimos e descemos as serras, fazendo curvas nas costas das montanhas. Já no fim da viagem, a estrada sobe e desce as alturas, fazendo retas verdadeiramente espantosas, como aquela de 78 quilômetros.
Para esta notícia, separei dezessete fotos que fiz em Campina Verde, Gurinhatã e Santa Vitória, em fazendas que já visitei: C. V. é Campina Verde. G. é Gurinhatã e S.V. é Santa Vitória.
Pe. Lauro Palú, C.M.
- Um maravilhoso Cetoninae que encontrei num pé de juá. Em outra planta, um bezerro poderia pensar que era um bombom, e paáf, lá iria ele, estômagos adentro… (S. V.)
- Quando vi os primeiros desses fungos, pensei comigo: Uma espécie nova! A professora derrubou meu entusiasmo: Schizophillum commune! (C.V.)
- O anu branco, Guira guira, vive e é fotografado nesses bandos. Guira é como os índios guaranis do Paraguai chamam esta ave. (S. V.)
- Um casal harmonioso de tucanaçu, em latim chamado Ramphastos toco. Quando voa, dá a impressão de que vai preocupado em não perder o bico, de tão reto que o leva. (S. V.)
- Maria-faceira, (Syrigma sibilatrix). Vive em campos, ambiente aquático, no Pantanal e em áreas modificadas pela população. (C. V.)
- Araçari-castanho ou Pteroglossus castanotis, atacando os mamões maduros. Parente próximo dos tucanos. Os índios o chamam tukani, tucano pequeno. (S. V.)
- Ao cair do sol, o gado se aproxima dos tanques de água. As silhuetas se recortam contra o céu. Gado de qualidade excepcional. (C. V.)
- Se consegui identificar bem, é um belo exemplar de Mycteria americana, chamado cabeça-seca, cabeça de pedra. (S. V.)
- Parece a paleta de um pintor impressionista, mas são os diversos liquens dos moirões da cerca do gado. Os liquens de Campina Verde e arredores se parecem muito com os do Caraça. (C. V.)
- Pachira aquatica ou castanheiro-do-maranhão, cacau-selvagem, mangaba, castanheira-d’água e mamorana. (G.)
- Muito parecidas, a Cycasrevoluta e a Cycas circinalis são muito decorativas, como se vê nessas folhas novas. Popularmente chamadas palmeira-cica e palmeira-sagu. (C. V.)
- Vi de longe a ema (Rhea americana), correndo ao lado de um dos pastos dos garrotes. O rastro mostra que é uma ave muito grande. (C. V.)
- Um casal de curicacas (Theristicus caudatus). Cuidam carinhosamente da ninhada, mas fazem um barulho incrível, alta madrugada. Faço-as calar com a luz forte da lanterna… (C. V.)
- Mutum, Crax fasciolata, aproxima-se muito dos galinheiros e terreiros. Como voam, saltam as cercas para comer do nosso e para fugir de nós… (C. V.)
- As araras (Ara ararauna), que Guimarães Rosa descrevia como fitas que se desdobram e eu acho parecidas como um casal de alegrias, azuis em cima, amarelas em baixo… (G.)
- São muitas flores deste tipo, mas não consegui identificar esta espécie. Protegidas na cápsula, depois levíssimas ao vento. (G.)
- Jaçanã (Jacana jacana), de pernas muito finas e dedos extremamente longos, que lhe permitem andar por cima das folhagens das plantas aquáticas. (G.)