Dom Antônio Ferreira Viçoso, C.M.
Antonio Ferreira Viçoso nasceu em Peniche, Portugal, no dia 13 de maio de 1787. Dos 14 aos 21 anos esteve no Seminário de Santarém, onde chegou, nos últimos anos, a lecionar Latim. Entrando em contato com a Congregação da Missão, na cidade de Rilhafolles, pediu para ser admitido entre os filhos de São Vicente, adentrando a Pequena Companhia no dia 25 de julho de 1811 e emitindo seus votos perpétuos no dia 26 de julho de 1813. Depois de um esmerado aprofundamento dos estudos e das ciências sagradas, foi ordenado Padre no dia 07 de março de 1818 e logo foi enviado para o Seminário de Évora para lecionar Filosofia.
Obediente à vontade de Deus que se revela nas grandes necessidades de seu povo, Padre Antônio Ferreira Viçoso acolheu o pedido da Congregação para trabalhar nas missões do Brasil, especificamente na Capitania do Mato Grosso, para a qual iria tendo como companheiro e superior o Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro. Partiram de Lisboa no dia 27 de setembro de 1819 e chegaram ao Rio de Janeiro em fins de novembro.
Estando em terras brasileiras e recebidos por Dom João VI, os Padres Leandro e Antônio ficaram sabendo que a missão para a qual foram chamados já estava ocupada, e que deveriam ir para o Santuário do Caraça, no coração da Província das Minas Gerais.
Aceitando a doação do Rei, partiram do Rio de Janeiro no mês de fevereiro e chegaram ao Caraça no dia 15 de abril de 1820. Logo em junho, iniciaram o cumprimento do motivo pelo qual deixaram Portugal, cumprindo também assim o testamento do Irmão Lourenço, que era fazer do Santuário um centro de missão. Os dois Padres foram para Catas Altas e ali, durante todo um mês, pregaram as missões ao povo, confessaram uma infinidade de pessoas, administraram sacramentos, ensinaram a catequese e etc. Dali, seguiram para Barbacena, para outra jornada missionária. Após estas missões, Padre Viçoso voltou para o Caraça, enquanto Padre Leandro foi ao Rio de Janeiro, de onde trouxe os primeiros quatro alunos para o nascente Colégio do Caraça.
Padre Viçoso foi, no Colégio do Caraça, sua grande alma, educando a juventude, orientando os estudos e primando pela excelência acadêmica na transmissão dos conteúdos humanísticos. Associando o conhecimento teórico à vida concreta e aos valores éticos fundamentais para a vida humana, Padre Viçoso e seus Coirmãos da Congregação fizeram do Caraça o maior centro irradiador da intelectualidade do Brasil de então, sendo o mais célebre, importante e duradouro Colégio que o Brasil conheceu até seu incêndio em 1968.
Em 1822, a pedido de Dom Pedro I, foi trabalhar no Seminário de Jacuecanga. Só 15 anos depois, em 1837, Padre Viçoso voltou para o Caraça e, devido às complicações diplomáticas entre o Império do Brasil e a Corte Portuguesa, foi eleito Superior Geral da Congregação da Missão no Brasil.
Ocupado com seus trabalhos em Campo Belo da Farinha Podre, no Triângulo Mineiro, para onde transferiu o Colégio do Caraça, por medo da revolução de 1842, Padre Viçoso recebeu a nomeação de Dom Pedro II para ser Bispo de Mariana, uma imensa Diocese, que compreendia quase todo o atual Estado de Minas Gerais. Para responder positivamente a Sua Majestade e esperar a confirmação do Papa, Padre Viçoso viajou para o Rio de Janeiro. A 05 de maio de 1844 foi celebrada sua ordenação episcopal.
Como Bispo de Mariana, por 31 anos, Dom Viçoso foi servo fiel, obediente ao Senhor e disposto a acolher as demandas do povo em seu coração, buscando com todas as forças e possibilidades sarar-lhes as feridas e apontar-lhes caminhos. Trabalhou unido ao Clero, e não contra ele, alimentando intrigas e divisões. Queria ser, e o foi de fato, bispo servidor e pai dos Padres, aos quais conclamava para a seriedade do trabalho pastoral, para o estudo constante e para o testemunho de uma vida conforme o Bom Pastor. Quanto às vocações, às quais dedicou muitos esforços, não só no acompanhamento dos seminaristas como no incremento dos Seminários, conseguiu muitos frutos, como a constituição de um dos presbitérios mais importantes e preclaros da Igreja do Brasil. Em seus escritos e em sua vida, não se cansou de dizer que o verdadeiro padre deveria ser servidor, expressão clara da autenticidade de sua vocação. Ao povo, especialmente àquelas pessoas mais influentes, foi categórico: a ascensão social não podia acontecer a partir da opressão dos pequenos e da subjugação dos mais pobres. A salvação era dom de Deus que devia ser acolhido na realidade da vida de cada um e em todos os setores da sociedade.
Para cuidar e formar um Clero renovado e verdadeiramente servidor do povo, reabriu o Seminário Diocesano, há alguns anos fechado. Junto ao Seminário, ainda abriu um Colégio Episcopal, fruto de suas preocupações com a educação da mocidade e a formação de homens de caráter e vida ética irrepreensível. O Seminário de Filosofia e Teologia (Maior) entregou aos seus Coirmãos da Congregação da Missão em 1853, e, em 1855, entregou-lhes o Colégio Episcopal (Seminário Menor), onde aplicavam-se ao ensino de Humanidades. Seu zelo pela formação do Clero, tanto dos seminaristas quanto dos já ordenados, era tão grande que, em meio a tantas ocupações, visitas pastorais e atendimento do povo, Dom Viçoso ainda tinha tempo para traduzir livros de espiritualidade, moral e teologia, tendo em vista a formação contínua de seu presbitério e o favorecimento do bom atendimento do povo.
Junto a esses esforços na formação do Clero, Dom Viçoso dedicou-se vigorosamente às obras de caridade, como bom filho de São Vicente. Esmolando pessoalmente, criando campanhas a serem feitas nas Igrejas e encaminhando formas de manutenção permanente de suas obras, Dom Viçoso investiu e fortaleceu a dimensão caritativa de Mariana. Em 1848, fundou uma casa para meninos órfãos e pobres. A partir de 1849, com o auxílio das Irmãs Filhas da Caridade, pôde fundar a obra caritativa para as órfãs e para as meninas pobres, um hospital e o Colégio Providência, para a educação das meninas.
Dom Viçoso visitou toda sua imensa Diocese por três vezes, gastando pelo menos seis anos para cada uma das visitas. De 1844, data de sua sagração e de sua primeira visita pastoral, até 1868, em todos os anos Dom Viçoso se aplicou a este intento, pregando ao povo, atendendo pessoalmente a cada um que o procurava, resolvendo contendas e conflitos, pacificando as Minas Gerais.
Já bem doente, há anos, no dia 25 de maio de 1875 recebeu o Viático e a Extremunção. Com o agravamento final de sua saúde, e retirado em sua Cartuxa, na cidade de Mariana, entregou sua vida a Deus na noite do dia 07 de julho de 1875, entre 22h e 23h.
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Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro, C.M.
Leandro Rebelo Peixoto e Castro nasceu no norte de Portugal, na Província do Minho, em 1781. Estudou no Seminário de Braga, onde defendeu sua tese de Filosofia em 1799 e a de Teologia em 1800. Entrou na Congregação da Missão em 1806, na Casa de Santa Cruz dos Guimarães. Após sua ordenação, foi professor de filosofia, literatura e matemática. Designado por seus superiores para o Brasil, não hesitou em atravessar o Atlântico para se enveredar pelo interior do país para o exaustivo trabalho das Missões.
Tendo partido de Portugal no dia 27 de setembro de 1819, chegou ao Brasil antes da virada do ano, acompanhado de seu coirmão e ex-aluno, Padre Antônio Ferreira Viçoso, C. M. No Rio de Janeiro, quando se apresentaram a Dom João VI, que os havia chamado para o Brasil, os dois Padres ficaram sabendo que as Missões da Capitania do Mato Grosso, para onde seriam enviados, estava ocupada por um Capuchinho.
Depois de algum tempo, o próprio Rei lhes ofereceu o Santuário do Caraça, no coração da Província de Minas, para que cumprissem o testamento do falecido Irmão Lourenço de Nossa Senhora, que o havia fundado e, antes de morrer, entregue à Fazenda Real para que não deixasse a obra sem Padres que pudessem dar-lhe continuidade.
Aceitando a nova Missão, depois das devidas licenças, empreenderam a difícil viagem até a Serra do Caraça, gastando pelo menos 2 meses, do Rio de Janeiro até seu destino. Chegaram ao Caraça no dia 15 de abril de 1820 e encontraram a Casa e a pequena Ermida praticamente abandonadas e em péssimo estado de conservação.
Depois de um tempo de arrumação e organização da Casa, Padre Leandro e Padre Viçoso se dedicaram à pregação de Missões em Catas Altas-MG, durante o mês de junho, e em Barbacena-MG, em parte do mês de julho. De Barbacena, Padre Leandro foi ao Rio de Janeiro apresentar-se ao Rei e dar seu parecer sobre as condições em que encontrou a propriedade do Irmão Lourenço. Desta visita, e como forma de ajuda, Dom João VI concedeu à Casa do Caraça o título de Casa Real, isentando-lhe de pagar os dízimos exigidos pela Coroa.
Algumas famílias do Rio de Janeiro, sabedoras da fama e do prestígio de célebre educador que o Padre Leandro já trazia de Portugal, pediram-lhe, por ocasião desta sua visita à capital, que educasse seus filhos, juntamente com seu companheiro, Padre Viçoso. E assim apresentaram-se e foram aceitos os quatro primeiros meninos com os quais o célebre Colégio do Caraça iniciaria sua missão educadora: Francisco de Paula, José Gularte, Manuel Maria de Lacerda e João Dinis.
Do Caraça, o Padre Leandro foi superior por duas vezes, de 1820 a 1827 e de 1834 a 1837. Foi em seu primeiro mandato que a Casa do Caraça recebeu do Imperador Dom Pedro I o título de Casa Imperial, podendo afixar em seu frontispício o brasão do Império e usar suas armas em seus carimbos e documentos. De 1827 a 1834, esteve em Congonhas do Campo-MG, como superior do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. Neste tempo, fundou ali um importante Colégio, semelhante ao Colégio do Caraça e seguindo todos os seus ritmos e preceitos. Sua transferência para Congonhas tinha como objetivo salvar o Santuário, comprometido por péssimas condições administrativas. Como o Colégio do Caraça e as Missões eram muito bem feitas e administradas, o Império não titubeou em nomear os Padres do Caraça para o cuidado de Congonhas.
O documento imperial que enviou os Padres para lá é claro em seus termos: “1. Restabelecer a antiga devoção do povo por meio do Jubileu e instrução religiosa; 2. Criar e administrar um Colégio, em Congonhas, conforme o modelo do Colégio do Caraça, mas dele independente; 3. Entregar aos Padres toda a administração financeira dos rendimentos da Irmandade; 4. Fazer inventário dos bens da Irmandade”. A tudo isso, Padre Leandro se dedicou com afinco e especial interesse nos sete anos que ali viveu.
Mais uma vez dedicando-se à educação da mocidade e à estruturação das instituições educacionais, Padre Leandro pôde expandir seu zelo missionário para a formação da pátria brasileira. A partir de um relatório enviado ao Presidente da Província de Minas, Paulino Limpo de Abreu, em 1834, pelo Padre Leandro, pode-se perceber para quantos jovenzinhos este Missionário abriu as portas do conhecimento e da cultura: de 1820 a 1834, foram matriculados no Caraça 1535 alunos, e em Congonhas, de 1828 a 1834, 905.
Em 1838 foi transferido para a Corte, no Rio de Janeiro, e feito Vice-Reitor do Colégio Pedro II (1838-1839). No entanto, mesmo tendo apenas o título de Vice-Reitor, Padre Leandro assumiu todas as funções da direção do Colégio, já que o Reitor era o Bispo do Rio de Janeiro, já idoso e muito adoentado. O Imperial Colégio, fundado no dia 2 de dezembro de 1837, iniciou suas atividades apenas em março de 1838, depois da chegada do Padre Leandro.
Durante os dois anos que lá trabalhou, Padre Leandro elaborou o estatuto do Colégio, promoveu espetáculos no Teatro São Januário, obtendo recursos, com os quais fez a calçada e adquiriu novos terrenos para o recreio dos alunos e para o Jardim de História Natural. Ademais, pôs ordem e disciplina na Casa, colocou um sino na torre, para avisar o horário das aulas, e uma sineta para se tocar à chegada do professor. E no dia 2 de dezembro, dia do aniversário do futuro Imperador Dom Pedro II, o próprio Padre Leandro levou pessoalmente os alunos do Colégio para tributar ao jovem herdeiro do trono suas considerações e honras.
Ao mesmo tempo que se dedicava ao Colégio, Padre Leandro também tentava, por sua proximidade com a Corte, resolver o impasse da Congregação no Brasil. Neste tempo, as relações entre a Igreja e o Império estavam muito desgastadas e ainda havia, pela instabilidade própria do tempo da Regência e o anti-lusitanismo que começava a se formar no país, dificuldades de aceitar a ligação dos Padres com a Europa. Depois de muitas conversas e acertos, Padre Leandro conseguiu, junto ao Império, uma saída razoável: a independência da Congregação no Brasil, tendo, inclusive, um Superior Geral distinto do Superior Geral que vivia em Paris.
Assim, em dezembro de 1839, Padre Leandro e os demais Coirmãos estavam reunidos no Caraça para a 1ª Assembléia Geral da Congregação da Missão do Brasil, na qual elegeram o Padre Antônio Ferreira Viçoso para Superior Geral.
Padre Leandro, que nunca se deu bem com o clima da capital, voltou, então, para Minas, mas não para o Caraça, como era seu desejo, a fim de consumir seus dias no apostolado missionário e educacional. Seu destino, a pedido do próprio Governo, foi Ouro Preto-MG, a fim de fundar e organizar o Colégio Assunção. No dia 14 de abril de 1840, Padre Leandro escreveu ao Delegado da Santa Sé no Rio de Janeiro, Scipião Domingos Fabrini, dando notícias de sua transferência: “O Presidente e a Assembléia me laçaram, de modo que não pude evadir-me de aceitar, por algum tempo, o lugar de Reitor do Colégio Nacional para o abrir e lhe dar andamento. O Superior Maior condescendeu nisso com a vontade do Presidente, e por isso, por algum tempo, vou ficar em Ouro Preto, onde logro saúde… Eu sou incumbido de arranjar os Estatutos e o Regulamento interno do Pedro II e se me não tolherem as mãos, eu lhes porei aqui um outro Pedro II, como o deixei nesta Corte… Enfim, não pude evadir-me, apesar de ainda padecer dos incômodos que sofri nesta Corte…”.
Instado a se desinstalar e assumir esta nova missão em vista da educação da mocidade, Padre Leandro mais uma vez não hesitou em assumir este compromisso que o Governo lhe pedia. Foi, então, para Ouro Preto, para a difícil missão de fundar o primeiro colégio do Governo na Província de Minas.
Em Ouro Preto, com pequena melhora de sua saúde, em relação ao Rio de Janeiro, pôde se dedicar ao que lhe pediam as autoridades imperiais. Mas, um ano depois da fundação do Colégio Assunção, voltou sua doença de pele, tão comum nos trópicos. Isso exigiu do Padre Leandro um tratamento mais exigente e o uso de banhos em Santa Rita de São João Del Rei. Com certa melhora, voltou a Ouro Preto, mas logo foi novamente atacado pela enfermidade, agora com dores fortes e inflamação no peito. Lúcido até o último instante, tendo recebido os Sacramentos, ali morreu santamente, no dia 28 de agosto de 1841. Faleceu com 60 anos de idade e quase 22 anos no Brasil.
Em 1858, seus restos mortais foram transladados para o Caraça e hoje repousam nas Catacumbas da Igreja.