A Reserva Particular do Patrimônio Natural Santuário do Caraça é muito vasta, sobrevoada pelos majestosos urubus reis (Sarcoramphus papa), por grandes águias, como a chilena e a cinzenta (Geranoætus melanoleucus e Harpyaliætus coronatus, respectivamente). Não é qualquer pessoa que consegue identificar esses avoantes soberbos, às vezes tão altos no céu e pouquíssimo frequentes.
Por isso, o Caraça é constantemente visitado por geólogos, botânicos e zoólogos. Os ornitólogos ou simples observadores de aves, por exemplo, são pesquisadores dedicados e exemplares: levantam-se ainda de madrugada, mal o dia começa a clarear, e se vão pelas estradas e trilhas, sempre de olhos bem abertos e ouvidos muito cuidadosos e treinados, identificando os primeiros cantos, os gritos, os chamados, que são os vários tipos de vozes das aves.
Aumenta cada ano, até hoje, a quantidade de espécies documentadas de nossas aves, grandes como as águias, os gaviões, os urubus de cabeça preta ou cabeça vermelha, as garças, a seriema, etc., ou pequeninas como a inesquecível corruíra (Troglodytes musculus), os beija-flores de poucos gramas de peso (Lophornis magnificus, de topetezinho vermelho), e os passarinhos mais comuns, tico-tico, canarinho chapinha, sabiá laranjeira ou cinzento. Está em revisão a lista da avifauna caracense (compreende as nossas montanhas, a área dos vales em redor do Santuário, as subidas desde a Fazenda do Engenho e as próprias áreas baixas do Engenho, do Buraco da Boiada, do Vai-Vem, do Pacheco, da chácara de Santa Rita e dos longes do Capivari. Os entendidos acham que breve passaremos das 400 espécies, até porque continuam aparecendo novidades, como a coruja-do-mato (Strix virgata), muito recentemente documentada nas matas no Engenho.
Quando procuramos as aves ou os ninhos, às vezes chamam nossa atenção as imaginosas samambaias que cobrem as partes altas de alguns troncos e sua galharia. Vão sendo aos poucos recenseadas; já se publicaram os nomes de 241 delas. Note-se, como curiosidade, que a Espanha inteira, com seus parques, as matas que ainda se conservam, as pedreiras, os charcos, as encostas ensolaradas, tem só 40 espécies de samambaias.
Caraça desconhecido, no título deste artigo, é então a simples consciência de que ainda não percorremos todos os seus espaços, seus nichos ecológicos, suas diversas regiões, com seu microclima, seus ventos, suas águas, seus insetos, as várias forças que espalham os esporos, as sementes quase invisíveis das samambaias.
Ao longo dos 16 anos deste novo milênio, tenho fotografado cuidadosamente tudo o que posso, desde as teias de aranha às ootecas dos insetos, dos rastros dos bichos grandes ou pequeninos até os sinais das dentadas das antas nas cascas de alguns eucaliptos, certamente muito saborosas… Hoje, infelizmente, não fotografo de modo tão insistente ou sistemático, cada dia, como quando não morava aqui e só dispunha de meus dias de férias para ir colhendo as imagens, buscando as novidades, achando as coisas inexplicáveis. Mas não se capturam cobras e lagartos por perto da casa sem que eu os fotografe antes que os levem para áreas mais distantes, onde não passam habitualmente nossos visitantes e hóspedes.
Depois de fotografar as realidades maravilhosos ou humílimas do Caraça (do arco-íris de fogo [fire rainbow] à touceira de velósias roxas num barranco, das exúvias dos variados insetos aos rastros das ondas nas rochas mil vezes milenares das nossas montanhas), separo por temas o que consegui fotografar bem bonito ou, pelo menos, razoavelmente bem, para que alguém me ajude a identificar o que Deus continua criando e espalhando à nossa volta. Assim, tenho arquivos numerosos de aves, de flores, de samambaias, de aranhas, de insetos em geral, e de besouros, borboletas, mariposas, vespas e abelhas em especial; arquivos enormes de liquens, musgos, orquídeas, serpentes; arquivos mais modestos de maracujás, de plantas carnívoras, de aristolóquias ou balanoforáceas.
Tenho um arquivo de “mistérios” a esclarecer: são posturas de ovos de insetos? Qual inseto? São casulos de quais larvas? Essa mancha no chão é um fóssil vegetal? Essa mariposa é um macho (olhe suas antenas flabeladas!) e esses ovos redondinhos seguramente não os botou ele… e aí, quase em cima deles, está fazendo o quê? Protege os ovos de sua fêmea? Está ali porque caiu e descansa?
Quando vejo os mimetismos inacreditáveis de grilos esgalhadinhos, de borboletas e mariposas brancas, de membracídeos iguais a espinhos, de bichos-paus pequenos e grandes, de besouros coloridos, entendo por que muitos deles ainda não foram classificados, se nem os vemos…
E aí me dá uma pena enorme dos cientistas e professores aos quais envio minhas centenas de fotos, para que me ajudem a identificar as aranhas, os musgos, as palmeirinhas, os rastros, os excrementos, porque, sem os pegarem e cheirarem, sem os virarem de costas, sem os examinarem ao microscópio, em geral não podem dizer muito ou com total certeza ou precisão, só pelas fotos. Sei que meu acervo de 42.000 fotos digitais da rica biodiversidade do Caraça é um patrimônio. Garanto que haverá coisas novas, ainda desconhecidas, que fotografei por puro acaso, por sorte, como lá nos Tabuões, porque nem imaginava que seria uma nova espécie de peixe (um cascudinho, um siluriforme, Pareiorhaphis). Devo dizer que meu sonho é achar uma nova orquídea. Sei que não vai ser fácil. Mas, nos milhares de fotos de cogumelos e fungos, não haverá nenhum novo? Uma vez achei uma colônia deles, numa tábua que ficou virada contra um barranco úmido. Nunca tinha visto daqueles e me assanhei: Quem sabe é uma espécie nova! E a doutora, quando os viu, lindos, delicados, simétricos, enfileirados, exclamou: Ah! Que lindo Schizophillum commune!
Devo ter mencionado uma centena de informações das coisas boas e inesperadas, surpreendentes e únicas ou muito comuns no Caraça. É uma das razões de falar de Caraça desconhecido. Quem viu tudo isso, além de Deus que o fez e faz cada dia? Quem, além do fotógrafo amoroso que o registra?
Padre Lauro Palú, C.M.