Uma elegante trepadeira da estação seca
Na última edição do “Voz do Caraça”, tratamos do canudo-de-pito, uma árvore que floresce durante o início da estação seca na Baixada Caracense, atraindo várias espécies de aves e de outros animais. Agora, aproximando-nos da metade da estação seca, observamos densas inflorescências rosa-avermelhadas nas bordas de nossas matas e capoeiras. São de uma trepadeira aparentada ao feijão, pertencente à família das leguminosas. Desconheço nomes populares, mas o científico é Cleobulia multiflora.
Nesta época do ano, de maio a julho, a Cleobulia multiflora pode ser facilmente avistada por quem entra na RPPN-Santuário do Caraça, logo após a portaria, até cerca de 1.000 metros de altitude. Fora da RPPN, é bastante comum em quase todas as florestas, “trepando” até a copa das árvores mais altas, onde atrai diversas aves que se alimentam do néctar de suas flores. Dentre as espécies, observadas na mata do Capão da Coruja, destacam-se os seguintes beija-flores: rabo-branco-pequeno (Phaethornis squalidus) e beija-flor-de-peito-azul (Amazilia lactea), sendo o primeiro endêmico da Mata Atlântica. Além deles, observei as seguintes espécies de aves visitando inflorescências dessa planta: cambacica (Coereba flaveola) e saí-azul (Dacnis cayana). Ambas as espécies dependuram-se de cabeça para baixo, pousadas na base da inflorescência pendente, para se alimentar do néctar das flores.
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Embora as flores de Cleobulia multiflora apresentem atributos típicos para a polinização por aves, sendo avermelhadas e tubulosas, essa relação ainda não foi estudada. A única menção de visitas a estas flores por aves foi relatada na Chapada de Canga, localizada nos contrafortes orientais da Serra do Caraça, sendo observadas as mesmas espécies supracitadas, além do beija-flor-de-fronte-violeta (Thalurania glaucopis), outro endêmico da Mata Atlântica (Vasconcelos, M. F. et al. 2017. As aves da Chapada de Canga, p. 285-339. In: L. H. Y. Kamino & F. F. Carmo (Eds.). Chapada de Canga: patrimônio natural e cultural de relevante interesse para conservação. Belo Horizonte: 3i Editora).
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Tão interessante quanto estudar a relação entre aves e esta trepadeira são investigações efetuadas por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre sua propagação em laboratório, visando a recuperação de áreas degradadas pela mineração de ferro, que causam severos impactos em nossa região (Lopes, C.A.R.G. et al. 2005. Micropropagação in vitro de Cleobulia multiflora em diferentes concentrações de 2,4-D, p. 28. In: Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. Curitiba: Sociedade Brasileira de Botânica). Sabe-se que várias espécies da família das leguminosas apresentam, em suas raízes, associações com bactérias responsáveis pela fixação biológica de nitrogênio, adubando naturalmente os solos e propiciando a colonização por outras espécies de plantas. Por se tratar de uma espécie nativa e típica da Mata Atlântica, o uso da Cleobulia multiflora visando a recuperação de áreas degradadas poderia ser testada, especialmente em locais outrora cobertos por florestas nativas, ao contrário do “coquetel” de sementes de plantas exóticas (muitas com alto potencial invasor) que é comumente empregado pelas mineradoras. Além disso, as flores desta trepadeira certamente atrairão aves que poderão cumprir importantes papéis ecológicos nestas áreas em regeneração, tais como polinização (beija-flores e cambacica) e dispersão de sementes (saís) de outras espécies vegetais.
Dr. Marcelo Ferreira de Vasconcelos Biológo e Naturalista
Fotos: M. F. Vasconcelos (1998).