Um pedaço de mato próximo ao Caraça
A importância das Unidades de Conservação, para a preservação e a manutenção da biodiversidade, é incontestável. Neste sentido, parques, estações ecológicas, reservas particulares do patrimônio natural, entre outras categorias, são de fundamental importância para assegurar que as futuras gerações possam conhecer nossa rica flora e fauna.
No entanto, especialmente em se tratando da Mata Atlântica, atualmente restam pequenos fragmentos florestais que somam cerca de 10% de sua cobertura original, estando várias destas Unidades de Conservação completamente ilhadas em meio a pastagens, plantações, áreas degradadas e cidades. Mas estão ilhadas não só as reservas, porque muitos animais típicos de florestas são incapazes de sair de um fragmento de mata e atravessar uma zona de vegetação aberta (como, por exemplo, um pasto). Quando um corpo florestal é isolado de outros, muitos bichos ficam “ilhados” nesses fragmentos. E, obviamente, não só os animais. As plantas também têm enorme dificuldade de dispersar suas sementes em matrizes desfavoráveis. Em longo prazo, isto pode causar a extinção local de várias espécies da flora e da fauna, em manchas de florestas isoladas. Os motivos para tais extinções são vários, tais como áreas de vida insuficientes (especialmente para grandes predadores – onças e gaviões, por exemplo), dificuldade de encontrar parceiros ou áreas para reprodução, falta de alimento e endogamia. Neste último caso, a diversidade genética dentro de uma ilha de mata é reduzida e, desta forma, “parentes próximos” de plantas e animais podem cruzar entre si, de modo que doenças deletérias podem começar a se manifestar nas populações. Uma vez que uma espécie se extingue em um fragmento florestal, toda a teia alimentar pode se alterar, levando a desequilíbrios ecológicos.
Baseando-nos nestas informações, fica claro que não é suficiente preservar as matas apenas em Unidades de Conservação, pois as mesmas correm o risco de se tornarem ilhas em meio a áreas devastadas, sendo necessário preservar seus arredores. É com este intuito que minha família vem preservando um pedaço de mato próximo ao Caraça por cinco décadas. Fica localizado na baixada caracense, em Sumidouro. Atualmente, é conhecido como “Capão da Coruja”, mas seu nome original é “Fazenda Bocaina”. A mata desta propriedade ainda é conectada com as florestas da RPPN-Santuário do Caraça, pelo mesmo espigão que vai em direção à Fazenda do Engenho. Há mais de duas décadas, venho estudando as aves desta floresta e, a partir do próximo número, iniciarei relatos sobre elas. Por ora, é importante saber um pouco de história:
Meu avô materno, Mário Campos Ferreira, adquiriu a propriedade em 1954, quando era muito maior que a atual, tendo vendido muita terra para um condomínio e para empresas atualmente ocupadas na mineração de ouro. Hoje, restam-nos 30 hectares, dos quais cerca de 20 de floresta preservada.
Nas décadas de 1960 e 1970, para abastecer as siderúrgicas do Vale do Aço, quase toda a região do Caraça e dos arredores foi devastada, com a venda da madeira das florestas nativas para produção de carvão vegetal. O Capão da Coruja não foi exceção. Quando eu era criança, na década de 1980, lembro-me que a mata a que me refiro ainda era uma capoeirinha fina, crescendo do desmate. Era quase impenetrável, tamanha a quantidade de cipós e taquarinhas. Para minha sorte, resgatei uma foto de meu avô, feita na década de 1980, e recentemente consegui fazer outra, mais ou menos no mesmo local. Percebe-se claramente como a floresta se regenerou bem. No entanto, houve algo que ajudou muito na recuperação da mata. O atual supervisor da propriedade, Sílvio Tomaz Ferreira, me contou que participou do desmate, que foi feito a machado. Como as árvores não foram destocadas e não se queimou a área,isto possibilitou que tocos de árvores cortadas rebrotassem e muitas sementes que estavam no solo não fossem danificadas pelo fogo.
.
.
A mata cresceu bem nestas cinco décadas. Mas não está nada segura. A cada ano, venho acompanhando, no Google Earth, as imagens da região por satélite e percebo que, muito em breve, a mata vai perder sua conexão com as florestas da RPPN-Santuário do Caraça, devido ao avanço das atividades de mineração. O que acontecerá com a biodiversidade, quando a mata se tornar um fragmento isolado? Saberemos em breve, mas é certo que bichos e plantas ficarão ilhados neste pedaço de mato. E muitos animais que vivem no Caraça não virão mais para esta região e os daqui não irão para lá.
Nas próximas edições, vamos falar sobre a dinâmica da comunidade de aves, ao longo de duas décadas, neste pedaço de mato.
Dr. Marcelo Ferreira de Vasconcelos