Podem acreditar, mas este animal, que mais parece um porco com pescoço longo, tromba flexível e preênsil e com pelos que sentem cheiros e umidade e que chega a pesar cerca de 320 quilos, começou a visitar a bandeja do lobo guará no Caraça. Uma coisa realmente inusitada: “…não acreditei, embora viesse a ser uma notícia superinteressante, se confirmada”, declarou o Padre Lauro Palú, diretor do Santuário do Caraça.
Herbívora seletiva, come folhas, frutos, brotos, ramos, plantas aquáticas, grama e pasto. Pode ser vista se alimentando até em plantações de cana-de-açúcar, arroz, milho, cacau e melão. Passa quase dez horas por dia forrageando em busca de alimento. De hábitos noturnos, esconde-se de dia na mata, saindo à noite para pastar.
No Caraça, já foram observadas e fotografadas no asfalto e nos matos. Na noite de 26 de agosto, apareceram no estacionamento em frente da casa duas antas, possivelmente um casal. Muitas crianças, naturalmente barulhentas, as viram.
A previsão é que serão vistas, com o passar das semanas, tão normais, tão espontâneas, sossegadas e surpreendentes, como o lobo-guará, os cachorros-do-mato, a jaratataca, o próprio gato-mourisco.
Segundo pesquisadores da UFMG, a visita das antas, para comer os ossos da bandeja do lobo guará é uma forma de compensação em sua deficiência de cálcio e de sal.
A bandeja do lobo e o visitante mais inusitado
(Tudo começou em maio de 1982, quando algumas lixeiras começaram a aparecer derrubadas e reviradas. O Irmão Thomaz, na época, falou ao Padre Tobias, superior da casa, que devia ser cachorro. Padre Tobias achou muito difícil, porque cachorro não subiria a serra com tanta frequência. Começaram a observar e descobriram que o grande cachorro que revirava as lixeiras do Santuário do Caraça era o “Chrysocyon brachyurus – Cão dourado de
cauda curta”, o Lobo Guará. Hoje, passados 33 anos, a bandeja dedicada ao lobo, tornou-se um local de visitas de várias espécies, sendo a última, agora no início de agosto, a mais inusitada de todas.)
“…não acreditei, embora viesse a ser uma notícia superinteressante, se confirmada.” Este foi o primeiro pensamento do padre Lauro quando uma turista relatou que havia visto uma anta comendo na bandeja do Guará. E não é que a notícia se confirmou? As antas estão subindo as escadarias que dão acesso a Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, para surpresa e espanto de todos. Uma bandeja que inicialmente servia somente ao lobo foi aos poucos sendo invadida e apreciada por várias espécies de animais, como o gavião, o canarinho, o tico-tico, o jacu, o gato mourisco, o cachorro do mato, a jaratataca, etc., e agora a anta, o mais inesperado de todos. Quem arrisca dizer qual será o próximo?
Visitantes ilustres depois do lobo
Primeiro jacu a chegar, depois todo o bando. As “penelopes” não falham nem um dia na bandeja.
Jaratataca ou Gambá, um dos mais bonitos.
O cachorro do mato, um animal muito arisco.
Apesar de serem os menores, os passarinhos também fazem suas refeições diárias na bandeja
O mais inesperado de todos
Os rastros de anta começaram a aparecer no jardim do Caraça e cada manhã eu os seguia, para ver o que a anta teria comido nos nossos canteiros. Nunca vi nenhum sinal ou estrago. Na realidade, ali só estava passeando, depois de comer…
Dia 29 de janeiro passado, uma hóspede contou que viu uma anta comendo na bandeja do lobo-guará. Não acreditei, embora viesse a ser uma notícia superinteressante, se confirmada. (Foi a mesma reação de minha parte, quando vi os jacus e muitos passarinhos avançando na comida do lobo-guará). As antas são herbívoras. Não viriam comer carne de jeito nenhum. Na noite seguinte, às 2 da madrugada, o biólogo Luciano de Faria e Silva filmou e fotografou um macho subindo a escadaria na frente da igreja e gravou o barulho dele triturando os ossos de frango da bandeja do lobo. Eu fotografei no dia 3 de março, já às 11 horas da noite, com uma bruta chuva.
Os pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que passaram pelo Caraça em seguida, vendo a filmagem e as fotos, acharam que parecia ser a espécie descrita recentemente (2013) como Tapirus kabomani, a que os índios chamam anta pretinha, mais escura que a anta tradicional e bem menor que ela. A UFMG já conseguiu autorização do IBAMA (ou ICMBio, não sei exatamente) para capturar um indivíduo e coletar sangue, para identificar a espécie e saber se é mesmo a Kabomani.
Aí a anta sumiu, depois de três meses de visitas cada noite. Mas certamente voltaria, quando sentisse novamente a carência de sal e de cálcio. E agora, de fato, na primeira quinzena de agosto, foi vista de novo no pátio e no adro da igreja, aproveitando da comida do lobo-guará. Nos últimos dias, foi vista logo depois das 7 da noite, uma vez, e veio várias noites por volta das 9 horas.
Sobe os degraus calmamente, come barulhentamente os ossos, triturando-os nos seus dentes chatos. Desce a escadaria com alguma dificuldade, porque coloca a pata traseira quase no mesmo lugar onde ainda está apoiada a pata dianteira. Ajeita-se e desce meio inclinada, enviesadamente na escada.
No Caraça, já foram vistos e fotografados no asfalto e nos matos os dois tipos de anta. Na noite de 26 de agosto, apareceram no estacionamento em frente da casa duas antas, possivelmente um casal. Muitas crianças, naturalmente barulhentas, as viram. Claro que não chegaram em seguida, ainda espantadas. Mas serão vistas, com o passar das semanas, tão normais, tão espontâneas, sossegadas e surpreendentes, como o lobo-guará, os cachorros-do-mato, a jaratataca, o próprio gato-mourisco, visto ali na frente da igreja só uma vez, mas avistado perto do orelhão e da secretaria, na estrada e no Buraco da Boiada, já bem cinco vezes. Das aves que vêm comer restos na bandeja do lobo, já fotografei dezoito tipos (desde os gaviões carcarás e os jacus até andorinha e canário da terra).
Padre Lauro Palú, C.M.