Quando me sentei para o café da manhã, a dona chegou e puxava a cadeira para tomar seu café perto de mim. Puxei conversa: “Dormiu bem?” Ela estrilou: “Como é que posso dormir com esse maldito relógio batendo de hora em hora? Vou embora daqui, vou para Ouro Preto”. O mais solidariamente possível comentei, bem calmo: “Vá mesmo. Lá são 365 igrejas, cada uma com seu relógio, todas batendo de hora em hora e cada uma com mais ou menos minutos de atraso ou de adiantamento”.
Nem sei se ela foi mesmo para Ouro Preto. Sei que não foi a única pessoa a reclamar do nosso relógio da torre da igreja.
Se há coisa que nunca me incomodou foi acordar com um bonito som de sino. Se há coisa que me entristece é que o sino do Caraça agora só bate de hora em hora. Antes, quando fui menino estudando aqui, era de quarto em quarto, cada hora, 4 vezes bonitas nos dois sinos menores, um pim-bom bem suave, que avisava o passar irrefreável do tempo, avisava que não daria tempo de decorar tudo, se ficasse mais distraído ou sonolento.
Gravado em latim na
pedra, ao redor do relógio:
“Omni temporis hora,
aeternitatis Deum adora”
“Em toda hora do tempo,
adora o Deus da eternidade”
Quando fiz a conta, os nossos sinos batiam 888 vezes num dia, se não acabasse a corda. É só fazer a conta. Um PIM para anunciar que já ia bater a hora ou os quartos, o PIM-BOM para cada quarto, cada novos quinze minutos, os quatro quartos na hora inteira, a hora inteira no sino grande BÃO (à meia noite ou ao meio dia, doze BÃOS bem sonoros, que a gente escutava da Bocaina), ainda repetidos em seguida. Contadinhos, direito, 888 toques.
Buson, poeta japonês, escreveu, num haicai: “Sobre o sino do templo / uma borboleta dorme / profundamente”. E é muito bonito imaginar que o som do sino sai dele como uma borboleta despertada do sono. Terminei um poema, também antigo, sobre os sinos do Caraça, com este verso: “A voz dos sinos vai como pombas altas na tarde”. Quando batia o sino, as pombas da torre saíam em revoada, pelo azul, e voltavam, pousando na torre. São assim os sinos do Caraça, de dia e de noite. Como se as horas batidas fossem pombas que voam e revoam, voltando para a próxima hora. Venham ao Caraça, num dia limpo de maio, ouçam o sino e vejam seu som límpido no céu, até acabar seu eco na montanha azul da distância, e vão me entender.
Padre Lauro Palú. C.M.