Artes do mato
Um tema que vem chamando a atenção de pessoas residentes em países desenvolvidos é o “bushcraft”. O que seria isso? Apesar de controvérsias, “bushcraft” seria algo como viver junto à natureza, utilizando seus recursos primordiais sem muita tecnologia. Inclui a orientação em campo, o conhecimento de plantas comestíveis, a construção de abrigos, a confecção de instrumentos de caça e pesca, o rastreamento de animais silvestres, além de outras habilidades. Enfim, nada muito diferente do já propagado há mais de um século por Robert Baden-Powell, o fundador do Escotismo. No entanto, o “bushcraft” só se popularizou na Europa e na América do Norte nos últimos anos. Um de seus objetivos é resgatar costumes e tradições que começaram a se perder após a industrialização.
Aqui no Brasil, pouco ainda se fala sobre isso. E justo aqui, numa fonte interminável de matérias-primas e culturas, “do Oiapoque ao Chuí”. Na baixada caracense, quem me despertou para as artes do mato, já faz mais de 20 anos, foi o Sr. Raimundinho, do Sumidouro. Ele trabalhava na portaria da RPPN-Santuário do Caraça e vendia diversos tipos de cestos e balaios, feitos de taquara e cipó. Eram muito bonitos e eu sempre comprava algum. Em conversas com ele, sempre muito simpático, fiquei sabendo que havia a época certa de se coletar as taquaras – e também as taquaras certas para se executar aquele trabalho. Veja só que conhecimento…
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Bem mais tarde, pedi a meu amigo, o Sr. Sílvio, também do Sumidouro, para me ensinar a fazer um balaio de taquara. Foi uma das aulas mais interessantes e descontraídas que tive na vida. Além dos cestos e balaios, ainda existem poucos experts em fazer forros de taquaras trançadas, usadas para teto de recintos.
Mas não só de taquaras e cipós vive o artista do mato na baixada caracense. Há embiras de cujas cascas se fazem cordas, paus-óleos que servem como excelentes cabos de enxada, troncos de embaúbas que viram encanamento e uma série de outras matérias-primas e utilidades.
Mas, infelizmente, as artes do mato não são mais valorizadas em nossa região e correm o risco de desaparecer para sempre. Por quê? Minha percepção é que muitas pessoas que teriam acesso a este conhecimento, através de seus pais, tios e avós, têm vergonha de aprender e executar as artes do mato. Hoje em dia é mais “bacana” copiar e absorver as porcarias divulgadas pela televisão e, principalmente, pela internet. Fazer o que os velhos faziam é considerado pelas novas gerações como “jeca” e ultrapassado e, assim, vamos perdendo para sempre nossa rica cultura. Caso você conheça alguém que ainda saiba das artes do mato, tente aprendê-las o mais rápido possível.
Resgatá-las agora ou perdê-las para sempre…
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Dr. Marcelo Ferreira de Vasconcelos Biológo e Naturalista