Conhecido nosso, Padre Lauro Palú (atual Diretor do Caraça) é daquelas pessoas em quem, num primeiro contato, sentimos algo diferente ou inesperado. Uns o acham rude e de pouca conversa; outros, atencioso e acolhedor; e outros ainda, uma incógnita em forma de gente, pelas suas respostas rápidas e diretas ao que foi perguntado. Enfim, um sujeito que desperta imediatamente vários sentimentos em seus interlocutores ou ouvintes. Nós o conhecemos aqui no Caraça nos idos do final da década de 1990, quando esteve em férias na Casa, e quando ainda trabalhávamos na TV Caraça, de Santa Bárbara. Foi contato rápido de algumas conversas… Outros contatos, em 2003, no início do “Voz do Caraça”, ele passando férias na Casa: alguns artigos para o periódico apoiando sua caminhada. Passados 11 anos, foi nomeado Diretor do Santuário, em 2014. Como disse, nesta entrevista, seu gosto pela escrita nos motivou a convidá-lo para colaborar conosco, tornando-se incentivador e ajudante deste simples periódico.
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Achamos que chegou a hora de conversar um pouco com ele. Eis a entrevista:
Jornal Voz do Caraça: Por que o senhor decidiu ser sacerdote?
Padre Lauro: Estudando em Curitiba, com 11 anos, os Irmãos Maristas faziam-nos rezar, todos os dias, pelas vocações sacerdotais e religiosas. Um dia perguntaram, na Cruzada Eucarística, o que iríamos ser, no futuro. Respondi: Engenheiro ou Padre. Na realidade, queria dizer Arquiteto ou Padre. Como se tivesse escrito Padre em primeiro lugar, um Irmão me chamou para ajudar na missa, com aquelas respostas em latim que devíamos decorar, minha primeira dificuldade real na vida… Eram as respostas do Confiteor e do Suscipiat… Então começou ali uma longa história, bonita como o quê! Não me arrependo um segundinho de nada que fiz, nesse caminho de bênçãos de Deus, desde a primeira ideia como criança até a celebração dos 50 anos de Padre, em 2014 e até hoje. Mas juro que quem decidiu que eu seria Padre foi Deus, por absoluta bondade infinita comigo.
JVC: Já íamos perguntar isto: Há pouco tempo o senhor celebrou seus 50 anos de sacerdócio. Com vê a Igreja hoje, na formação dos padres, na liturgia, na pregação e nas suas obras caritativas?
Padre Lauro: Tratar de tudo isto numa resposta só? Fui ordenado Padre em 20 de setembro de 1964, já com os militares no comando deste país… De lá para cá, a maior mudança que senti foi nos processos da formação dos adolescentes e jovens (agora dos adultos) que desejam ser Padres e são formados nos seminários, nas pequenas comunidades educativas, nos vários formatos de preparação, das Dioceses e Congregações. Não mais os seminários fechados, autossuficientes, mas universidades, com diferentes experiências intercongregacionais e interdiocesanas. A liturgia em português ganhou de mil na comunicação, na possibilidade real de ensinar, na aplicação imediata dos frutos da pregação. A pregação deve sempre ser bem preparada, cada vez: um padre consciente não pode pregar durante 50 anos o mesmo sermão na mesma festa… Como nas eleições mudam os candidatos, nas cerimônias mudam os participantes, e os Padres devem estar atentos ao barulho que as pessoas fazem quando estão sentadas ouvindo um sermão. Só com esta atenção, já podem saber se o povo ainda aguenta mais um pouco do sermão ou se já devia ter interrompido há mais tempo… Nas obras caritativas, o mais fácil é dar cestas básicas, visitar as casas, ajudar na farmácia ou no centro de saúde. Mas o esforço, em todo o mundo, é os Padres passarem da assistência à promoção e ao incentivo para a autopromoção dos Pobres.
JVC: Além de Padre, sabemos que gosta e muito sabe de fotografia, poesia, ciência, artes em geral, literatura, humor, etc. Seus anos de estudos na Igreja foram os responsáveis por este vasto conhecimento?
Padre Lauro: Meu interesse pelo que estudei foi sempre muito grande e me ajudou, pouco a pouco, a ir acumulando conhecimentos e descobrindo novidades. Meu Pai e minha Mãe me incentivaram muito e os Irmãos Maristas me abriram horizontes. No Caraça, eu era o único do Paraná e isso me estimulou a marcar minha presença, honrando minha terra. Tive Professores que eram felizes por estudar e saber e tinham gosto de estimular os alunos interessados e mais capazes. No Caraça e em Petrópolis. Um que me ajudou muito foi o Pe. Jorge Xavier de Oliveira, que parecia sempre saber tudo de tudo. Quando eu fazia alguma pergunta, me orientava na leitura de bons livros a respeito do assunto e me pedia para fazer uma resumo para meus colegas. Isso foi decisivo em minha formação intelectual.
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JVC: É um homem vaidoso pelo que sabe e é?
Padre Lauro: Dei-lhe esta impressão? Acho que não tenho vaidade do que sei e faço, porque tenho muita consciência do esforço que preciso fazer para produzir coisa que preste, bonita, que me desenvolva, atraia os outros e ajude a nós todos a crescer nos conhecimentos.
JVC: Faça um rápido giro de sua vida até chegar como diretor do Caraça.
Padre Lauro: Saí do Paraná com 13 anos. Estudei 4 anos no Caraça e 8 em Petrópolis. Como Padre, trabalhei no Seminário Maior de Mariana, um ano e meio. Depois outro ano e meio em Petrópolis, professor no nosso Seminário e na Universidade Católica. Um ano de boa especialização, com os Jesuítas, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Oito anos em Aparecida, reitor do Seminário do Cardeal Mota e Professor nos Redentoristas e nos Salesianos (na Faculdade de Lorena). Belo Horizonte, três anos, formando os nossos seminaristas e coordenador da Filosofia na Católica. Até aí foram 15 anos na formação dos seminaristas e no magistério. Depois fui diretor do Colégio São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro, quase 7 anos. Depois, mudou tudo na vida: fui eleito por seis anos e reeleito para mais seis como Assistente Geral de nossa Congregação em Roma. Voltei para o Brasil e vim para o Caraça, onde fiquei cinco meses e poucos dias. Com a morte do Diretor do Colégio, voltei para lá, mais 13 anos e meio. E agora vim para o Caraça, há cinco anos. Nos 12 anos de Roma, viajei muito, para visitar nossas Províncias e suas obras e para ajudar os grupos da Família Vicentina, como as Voluntárias, as Conferências de São Vicente, a Juventude Mariana e alguma Congregação de origem e inspiração vicentina. Nisso, viajei uns 40 países, preguei 50 retiros. Minha alegria era conhecer as Províncias, os Coirmãos e suas obras, aprender as línguas e exercitá-las.
JVC: Sabemos que começou seus estudos religiosos no Caraça e também sabemos o seu amor por este local. Ser colocado aqui como diretor, o que isto significa em sua vida?
Padre Lauro: Sempre quis trabalhar aqui e me preparei para isto, estudando o que pude da natureza e suas maravilhas. O Caraça representou para mim, nesta fase de minha vida, o jeito de descansar mais em profundidade, depois da experiência pesada e traumatizante da direção do Colégio e da administração de seus dinamismos, especialmente na solução de suas crises. Escrevi num poema que nasci aqui e espero morrer aqui, “mesmo que o corpo, coitado, / caia num outro lugar”. Eu terminava o poema dizendo: “tragam para cá meu corpo, / finquem meus pés neste chão, / e sentirão como aos poucos / irá voltar a bater / meu coração encantado”.
JVC: O contato com os vários povos e suas línguas, a celebração diária no Santuário, a hora do lobo, seus milhares de fotos, suas centenas de artigos, enfim uma vida vasta e dinâmica, podemos colocar assim… Como têm sido seus anos aqui no Caraça?
Padre Lauro: Tenho lido muito livros que me ajudam a conhecer e dinamizar o Caraça. Escrevo bastante, e tenho vários álbuns programados sobre este patrimônio de importância mundial, nos próximos anos. Quando chegam os cientistas, fico por perto, ouvindo, pergunto e me interesso por tudo. Procuro interessar os jovens e as crianças, mostrando a beleza desta Reserva e de seus tesouros de vida. Meu sonho é despertar vocações científicas, artísticas e humanitárias.
JVC: Temos uma foto sua nesta entrevista com uma criança, provavelmente aprendendo alguma coisa sobre herpetologia (estudo das serpentes). O senhor tem grande gosto em ensinar, principalmente para os pequeninos. O Caraça é o lugar ideal para isto?
Padre Lauro: Acho que já respondi. O Caraça é inesgotável fonte de alegrias, surpresas, maravilhosos descobrimentos, aventuras inesquecíveis, sonhos palpáveis. Quando posso ajudar uma pessoa a ver, com olhos novos e maravilhados, este mundo encantado de Deus, não perco a oportunidade. Gostarei de ficar aqui muitos anos, se puder ajudar.
JVC: Sabemos que passou 2017 com dificuldades em termos de saúde. Como está atualmente?
Padre Lauro: Comecei tratando da próstata, mas o problema está na bexiga, onde começou um câncer que estamos tratando com quimioterapia e de que vou me livrar até janeiro próximo. Durmo bastante irregular, mas tenho sonhos muito gostosos, realizadores, nenhum pesadelo.
JVC: O Caraça numa frase?
Padre Lauro: No que vejo bonito e surpreendente, sei que Deus é o primeiro a gostar das maravilhas que cria para nós.
Do Caraça: Fram Emery