Chegamos ao fim de um ano bastante rico para o Caraça. O número de visitantes é sempre muito alto. O de hóspedes também. Pergunto aos estrangeiros como souberam do Caraça e de suas riquezas biológicas. Respondem que por amigos, que pelo site caprichado na internet; a maioria fala dos guias turísticos, especialmente do Lonely Planet, cujas páginas sobre a Reserva e o lobo-guará são primorosas.
Cada ano, listo os países que nos visitam. Às vezes, são excursões universitárias; outras vezes, grupos de interesses específicos, fascinados na esperança de ver tais e tais aves, especialmente tal beija-flor… Outras vezes é um viajante solitário, que está se procurando ou se recompondo de vivências mais duras na vida…
Cada ano, temos tido cerca de 50 países, cujos nomes colho no livro de assinaturas da sala de visitas. Nem todos assinam o livro, vou atrás das falas em outras línguas e pergunto. Ou peço às Meninas da recepção, que colham esses dados nas fichas da chegada. Em três anos, já chegamos a 79 países, com algumas raridades.
27 países da Europa: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Donostia (País Basco, assinou assim um separatista…), Escócia, Eslováquia, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Irlanda do Norte, Itália, Luxemburgo, Noruega, País de Gales, Polônia, Portugal, Romênia, Rússia, Suécia, Suíça, Ucrânia.
Outros 24 das Américas: Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Guiana, Guiana Francesa, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai, Venezuela.
16 da Ásia: Armênia, Cazaquistão, China, Coreia do Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Iraque, Israel, Japão, Líbano, Malásia, Quirguistão, Síria, Tailândia, Taiwan.
9 da África: África do Sul, Angola, Cabo Verde, Costa do Marfim, Egito, Guiné-Bissau, Moçambique, Quênia, República Sul-Africana.
E 3 da Oceania: Austrália, Nova Zelândia, Taiti (Polinésia Francesa).
Os que dormem aqui querem ver o lobo-guará. Um que outro, mais feliz, vê o lobo, os cachorros-do-mato e mesmo a anta. Outros vêm sem nada em mira, mas se encantam com o silêncio, a história do lobo, as brigas entre machos e fêmeas pelo domínio de território.
Dos brasileiros, uns vêm para rezar, confessar-se e rever seu projeto de vida. Outros vêm combinar o casamento, o batizado; alguns vêm buscar dados nos livros antigos sobre seu avô que dizem que estudou no Caraça (e pode ter sido Mariana ou Diamantina, aqui não consta nos nossos livros…). Há quem se casou aqui e já estão nas bodas de prata e trazem filhos e algum netinho recém-nascido para batizar com as águas santas do Caraça. Mesmo do estrangeiro, alguns voltam pelo encantamento do lugar, pela acolhida cordial, pelos amigos que aqui deixaram.
De nossa parte, também somos amigos fiéis, que recebemos lembranças, you tubes e cartas. A mim me interessam e comovem os desenhos das crianças, que me viram cuidando do lobo-guará. Creio que serão crianças de fantasia acesa, capazes de grandes excursões mundiais, em busca de aventuras, de riquezas assim acumuladas. Uma das curiosidades das crianças é se já toquei a mão no lobo. Até os adultos me perguntam isto, porque lhes parece que é perfeitamente possível, de tanto que os lobos parecem “entende” o que lhes digo. Em novembro deste ano, como os lobos estão preocupados com seus rivais, lutando pelo domínio do território, sempre que sobem a escadaria e começam a comer na bandeja, pegam um bocado e vão comer no topo da escadaria, ficam vigiando se há rivais ou inimigos por perto. Sempre digo: “Não há ninguém por aí; pode voltar e comer com calma”. Na segunda vez, digo: “Já falei, não estão mais aí”. Quando o lobo voltou à bandeja, aquela dona jurava que ele me entendeu. Até ficou arrepiada. Quando vieram Padres de toda a América Latina para uma reunião no Engenho e subiram uma noite para ver o lobo, pedi licença aos estudantes de Belo Horizonte e falei em espanhol para os nossos Padres, dizendo em português se a palavra espanhola era muito diferente da brasileira. E, quando o lobo foi para a ponta da escadaria, falei em espanhol, meio sem sentir, por causa do que ia dizendo aos hóspedes. Aí a dona perguntou: “Mas ele entende o espanhol, para voltar assim?”
Na semana seguinte, vieram uns italianos e aproveitei, fiz-me de distraído e falei em italiano com o lobo, que voltou à bandeja. Aí o guia se espantou: “Eles entendem essas línguas todas?” Tenho sempre, muito honestamente, explicado que voltam não porque lhes falei, mas falei porque iriam voltar em seguida, como sempre. Mas acho que o tom de voz, a mesma frase na outra língua, acabam acalmando o lobo e ajudam na brincadeira…
Padre Lauro Palú, C. M.