Eles chegaram de manhã cedo, depois de toda uma noite de viagem. A viagem no ônibus começou no Cosme Velho, aos pés do Cristo Redentor, às 9 da noite, a turma se apressando a entrar no ônibus, depois de colocar as malas imensas no bagageiro. Trazem malas de mês inteiro, mas ficarão só três dias… Mas, de verdade, a viagem começou vários dias antes, pois iam contando os dias que ainda estavam faltando para a bela aventura. Viajar já viajaram, alguns até os Estados Unidos e o Japão (um já foi à África do Sul). Mas agora é novidade: vêm sozinhos, sem os Pais, graças a Deus, sem aquele irmãozinho chato ou aquela irmãzinha insuportável. Vão dormir vários num só quarto (já pensando na guerra de travesseiros..), vão ter que arrumar a cama (“prá quê, se eu é que vou dormir aí…”), vão tomar banho de cachoeira, andar com medo das cobras, esperar o lobo e, se der certo, vão ver até a anta. Algum mais animado vai querer mostrar que já sabe fritar um ovo na chapa do fogão ultraquente, vão comer só o de que gostam, sem mãe enchendo a paciência…
E como foi que encheram seus três dias? Na primeira manhã, foi chegar, tomar café, inaugurar a chapa dos ovos, depois ir para o quarto, escolher a cama, lembrar da Mãe que preparou a mala e esqueceu aquele boné e pôs essa touca horrorosa que eu não uso nem no escuro… Ainda de manhã, exploraram a casa, naturalmente descobriram a lanchonete, compraram os primeiros chocolates e beberam um refresco de canudinho. Depois veio o almoço, naquele salão enorme, com aquele fogão, “não sei pra quê tanta salada!” Depois do almoço o primeiro passeio, à Cascatinha, dois brutos quilômetros até chegar lá. E o banho na água supergelada, Deus me livre. E todos gritam como bugres, pensando que gritando dói menos, ou que o grito esquenta as águas. De tarde, ficar quieto, esperando o lobo-guará, jantar cedo da vida, ficar quieto de novo, e lá vem o lobo-guará! Quem tem sorte, no mesmo dia vê o lobo, o cachorro-do-mato e a própria anta, aquele baitão comendo ali os ossos, diz o Padre que é para aproveitar o cálcio e sal, de que os bichos grandes precisam.
.
No segundo dia, o Banho do Belchior, “ai que água mais gelada!”, de tarde a piscina, de novo a espera do lobo e da anta, o sono (já sentindinho a falta da casa…). No último dia, os Tabuões, com o campeonato de salto à distância na areia e a areia que parece movediça mas que cede só até o meio da canela da gente.
De noite, já aflitos para viajar, não dizem que é saudade, nem parece que seja, mas vão logo para o ônibus, se aninham como para dormir e de fato dali a um tanto, dormem, até chegar ao Rio de Janeiro, outro mundo!
E aí então se entende o que um Menino disse, depois de tantas vivências novidadeiras: “Nem sei se ainda lembro da cara de meu Pai”. O Pai não gostou, mas posso garantir que é a melhor descrição possível, a descrição perfeita dos três dias cheios inesquecíveis. Outro Menino me disse: “Volta, Padre Lauro”, como se eu pudesse levar para o Colégio o que os encantou aqui… Para prolongar a ligação deles com o Caraça, lembrei-lhes que o Colégio foi construído com empréstimo do governo federal, que pagamos com a venda das matas do Caraça (tempo em que não havia ecologia em giro), e que, por isso, eles têm uma dívida moral com o Caraça. Quando forem Presidentes do Brasil, lembrem-se de nos ajudar!
Até eu cheguei a sentir saudades dos tempos em que trabalhava com eles, no Colégio São Vicente de Paulo, e os recebi ali Menininhos e Menininhas, e agora os revejo pré-adolescentes, crescidos e felizes como os sonhamos.
Padre Lauro Palú, C.M.