Jovens naturalistas na Baixada Caracense
Atualmente, as pesquisas sobre biodiversidade no ramo das Ciências Biológicas têm se concentrado especialmente em estudos moleculares, envolvendo análises genéticas, ou em extrapolações estatísticas complicadíssimas que a maioria dos biólogos que as utiliza nem mesmo entende. Esses tipos de pesquisa são os que geram publicações científicas em revistas internacionais de alto impacto e, consequentemente, os pesquisadores que conseguem publicar em tais periódicos são os que têm maiores chances de obter financiamentos e estar credenciados a programas de pós-graduação. Resultado: a maior parte dos alunos de graduação e de pós-graduação quer ser orientada por este tipo de “neocientista”, já que esta é a oportunidade de se tornar bem sucedido na carreira acadêmica.
Perfeito, mas como fica a pesquisa básica de se conhecer a biodiversidade em campo? Qual a relevância de sequenciar o DNA de uma espécie que um geneticista não sabe identificar? Qual o valor de bancos de dados colossais quando não se sabe a história de vida dos organismos envolvidos? Eis aí o problema – pesquisas sobre levantamentos da biodiversidade e descrições de novas espécies são atualmente tratadas como “ciência do século XIX”. As consequências disso são catastróficas, já que, num país megadiverso como o Brasil, são considerados “subcientistas” os pesquisadores que se ocupam em estudar a História Natural, a distribuição e a classificação das espécies de seres vivos. Não conseguem emplacar seus artigos em revistas científicas de peso, nem obtêm financiamentos relevantes. Diante disso, poucos são os alunos que querem seguir este caminho fora de moda e, em breve, quem estuda a natureza in loco e a conhece em detalhes estará extinto do meio acadêmico por falta de incentivo e de discípulos. Pior do que isso, a cada dia, várias espécies ainda desconhecidas pela ciência são extintas pelo avanço da devastação indiscriminada que vem ocorrendo no Brasil – sem que nem tenhamos a oportunidade de conhecê-las, catalogá-las e estudar sua biologia e distribuição geográfica.
Diante dessa situação, eu, naturalista de corpo e alma, decidi abandonar o meio acadêmico e continuar minhas pesquisas por conta própria. No entanto, não perdi o foco em incentivar as novas gerações a dar continuidade a este trabalho. Na era dos smartphones é muito difícil “pinçar” jovens que tenham este talento e amor ao mundo natural. Mas encontrei poucos pelo caminho. Dois deles trabalham como monitores do Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais: Felipe Henrique Datto Liberato (entomólogo) e Victor Hugo Martins Machado (ornitólogo). Ambos são estudantes do curso de Ciências Biológicas nesta renomada universidade.
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Em meados de janeiro deste ano, tivemos a alegria de receber tais jovens naturalistas na Baixada Caracense, onde permaneceram por cinco dias enfurnados nas matas do Capão da Coruja, levantando a fauna de insetos e de aves. Seus trabalhos de pesquisa em campo iniciavam de manhã bem cedo, indo noite adentro. Acompanhei boa parte destas atividades, que resultaram no levantamento de um número relevante de insetos e de aves. Dentre os insetos mais interessantes, destacam-se uma barata-d’água de tamanho avantajado (Lethocerus sp.), que tentava predar sapos martelos (Hypsiboas faber); um gafanhoto que mimetizava uma vespa-caçadora (Pompilidae) e um representante de uma ordem de insetos ainda muito pouco conhecida (Embioptera). Com relação às aves, 110 espécies foram registradas, com destaque para o gavião-pega-macaco (Spizaetus tyrannus), grande rapinante ameaçado de extinção, que passou sobrevoando a mata, emitindo sua característica vocalização.
Espero que estes jovens continuem seguindo o caminho da História Natural e que propaguem este amor ao conhecimento detalhado de nossa biodiversidade às futuras gerações, evitando a extinção dos verdadeiros estudiosos da natureza, antes da extinção de mais espécies de seres vivos.