Luzes, chuvas, besouros
Finalmente chegou a chuva em nossa região, após longo tempo de seca e de infelizes incêndios criminosos que devastaram grande parte de nossas matas e campos rupestres. Durante a seca, quase não se viam insetos, até que, de repente, veio a chuva e a vida dos invertebrados de seis patas voltou à ativa. Onde estavam quando em letargia durante a seca? Agora, em plena estação chuvosa, os insetos explodem em todos os cantos. Muitos se aglomeram debaixo das lâmpadas de iluminação à noite, principalmente as mariposas e os besouros. Estes últimos, representantes da ordem Coleoptera, dominam o Planeta Terra. Isto porque totalizam mais de 350 mil espécies conhecidas, sendo o grupo de animal mais diverso, ocupando de ambientes polares às selvas equatoriais e desde o nível do mar às mais altas montanhas.
Na Baixada Caracense, faço registro de besouros desde 1993. E a sensação é a de que não devo conhecer nem cerca de 1% de suas espécies. Ao longo deste quarto de século, todo dia vejo algum besouro diferente nesta época chuvosa, especialmente rondando lâmpadas em período noturno. Muitos besouros apresentam atração pela iluminação artificial e costumam voar várias vezes em sua direção, chocando-se contra paredes, caindo no chão e morrendo de exaustão. Em uma única lâmpada acesa por uma noite na baixada caracense, podem-se encontrar dezenas deles. Dentre os mais abundantes, destacam-se representantes das famílias Scarabaeidae (rola-bostas e escaravelhos), Cerambycidae (serra-paus), Elateridae e Lampyridae (vaga-lumes), Cicindelidae (besouros-tigre), dentre várias outras.
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No entanto, embora ainda abundantes, os besouros diminuíram bastante ao longo destes últimos 24 anos em nossa região. Uma das hipóteses que tenho para este declínio é o de que a iluminação artificial aumentou consideravelmente neste período, especialmente nas minerações, que mantém suas áreas iluminadas por todas as noites, atraindo milhares de insetos noturnos para suas áreas. Uma atração fatal, já que a maioria acaba por sucumbir e não cumprir suas missões ecológicas de polinização de flores noturnas, predação de outros insetos (muitos daninhos) e de servirem como alimento para uma enorme gama de animais, especialmente morcegos e aves noturnas.
O pouco que conhecemos dos besouros na região refere-se a um levantamento preliminar destes animais na RPPN-Santuário do Caraça (Vulcano, M. A.; Mascarenhas, C. S. & Pereira, F. S. 1980. Anthologia Zoologica Caracensis – I. Coleoptera. Lundiana, 1:99-128). Este estudo cita mais de 500 espécies, das quais muitas foram descritas a partir de material coletado no Caraça. No entanto, este número está subestimado, já que vários pontos da RPPN, que apresenta ampla variação de ambientes, nunca foram amostrados. Felizmente, auxiliada pelo Pe. Lauro Palú – diretor da RPPN e exímio naturalista – uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional do Rio de Janeiro está dando continuidade ao levantamento dos besouros desta área.
Aqui na Baixada Caracense, precisamos urgentemente de estudiosos que façam pesquisa semelhante, antes que as luzes e outras intervenções que o ser humano causa à natureza acabem por exterminar cada vez mais besouros, levando muitas espécies à extinção antes mesmo que tenhamos condições de descrevê-las.
Dr. Marcelo Ferreira de Vasconcelos: Biólogo e Naturalista