As aves e os ciclos das taquaras
Quando criança ouvia histórias do meu falecido avô paterno, José Mendes Vasconcelos, mais conhecido como “Vovô Zeca”, sobre a chegada de algumas aves quando as taquaras davam sementes. Natural de Rio Piracicaba, não distante de nossa região, ele observava que os catataus (Sporophila frontalis) e as cigarras (S. falcirostris) surgiam em massa quando as taquaras nativas frutificavam.
Em geral, as taquaras só florescem e frutificam uma única vez na vida – e morrem logo após. No entanto, o ciclo de cada espécie pode variar bastante. Há relatos de bambus que podem demorar até 120 anos para florescer e frutificar. Nas espécies de taquaruçus e tabocas (Guadua spp.) e de taquaras-pocas (Merostachys spp.), os ciclos podem ser maiores que 30 anos. Já as taquarinhas (Chusquea spp.) parecem apresentar ciclos mais curtos, ao redor de 10 anos.
Durante muito tempo, embalado pelas histórias do Vovô Zeca, sonhei em acompanhar as frutificações das taquaras, mas só na última década pude observar estes eventos em diversas regiões da Mata Atlântica. Na baixada caracense, tive oportunidades de presenciar duas espécies dando sementes, abaixo relatadas:
O primeiro evento foi observado entre julho e agosto de 2007, quando encontrei uma taquarinha fina (Chusquea aff. leptophylla) carregada de sementes na mata do Capão da Coruja. Nesta ocasião, registrei, pela primeira vez na região, indivíduos da cigarra-bambu (Haplospiza unicolor) e da cigarra-preta (Tiaris fuliginosus), que estavam se alimentando das sementes em abundância.
Depois disso, não foram mais encontradas na área até que, entre os meses de outubro e dezembro de 2011, houve a frutificação de uma grande moita de taquaruçu (Guadua tagoara), onde ambas as espécies puderam ser novamente observadas alimentando-se deste farto recurso1. Enquanto estas duas espécies comiam as sementes nos ramos do taquaruçu, no piso da mata um casal de pararu-azul (Claravis pretiosa), bela rolinha florestal, catava as sementes que haviam caído. Esta rolinha também só contava com um registro prévio na região, em fevereiro de 2005, e não foi mais vista até o presente. Mas a grande alegria, durante este evento, foi ouvir, pela primeira vez na baixada caracense, o canto da verdadeira cigarra (S. falcirostris) vindo de uma moita de bambu exótico, a mesma ave das histórias de meu avô.
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Do catatau, tive notícias de alguns moradores locais que era muito comum na baixada caracense quando havia semente de taquara. Mas nunca o observei na parte baixa durante as duas últimas décadas. No entanto, tive a felicidade de ouvir seus cantos entre fevereiro e abril de 2015 nas florestas montanas da RPPN-Santuário do Caraça.
Estas observações nos mostram a importância das taquaras para aves nômades e bastante especializadas em recursos alimentares efêmeros e imprevisíveis. Para estas aves, encontrar taquaras com sementes na “colcha de retalhos” de pequenos fragmentos florestais que sobraram da Mata Atlântica (cerca de 10% da cobertura original) é uma enorme aventura. Além disso, passarinheiros cobiçam bastante os catataus e as cigarras, que são facilmente capturados quando chegam em massa nos taquarais frutificados. Não é à toa que estão ameaçados de extinção. Junto delas, outra rolinha especialista em sementes de taquara, a pararu-espelho (Claravis geoffroyi), apresenta uma população global estimada em menos de 250 indivíduos…
Por estes e outros motivos, vale a pena preservar nossos taquarais!
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Fotos: Diego Hoffmann.
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1 Para ser bem franco, tive vontade de cozinhar algumas sementes para provar o “arroz de taquara”, mas receei que houvesse alguma toxina que pudesse fazer efeito se consumida em grande quantidade…
Marcelo Ferreira de Vasconcelos