(Fluxos migratórios de nossas aves)
Migração é o movimento regular durante um ano entre duas regiões: de reprodução e de invernada. Mais de 150 espécies de aves se reproduzem noutros países e migram para cá. Do Hemisfério Norte vêm 91 espécies; do Sul, 61 (visitantes setentrionais e meridionais).
Outras migram dentro do Brasil. São as migrantes austrais, que se reproduzem no Sul e Sudeste e vão mais para o Norte no inverno. Em muitas espécies há aves que não migram e por isso, às vezes, há sobreposição de grupos residentes e migratórios no mesmo local.
Em mais de 20 anos, nunca registrei migrantes setentrionais no Sumidouro (Capão da Coruja). Por outro lado, registrei 60 migrantes austrais, divididos em 4 grupos:
1) Migrantes austrais, mas registrados o ano todo nesta região: andorinha-pequena-de-casa, andorinha-serradora, bagageiro, bem-te-vi, besourinho-de-bico-vermelho, caneleiro-preto, corruíra, enferrujado, filipe, guaracava-de-crista-alaranjada, neinei, pia-cobra, piolhinho, quero-quero, risadinha, sabiá-poca, suiriri, suiriri-cavaleiro, suiriri-pequeno, tico-tico, tiziu e urubu-de-cabeça-vermelha1. Algumas espécies têm populações residentes e devem receber ou não alguns migrantes. E pode ser que indivíduos migrantes fiquem na região, não retornem a suas áreas de reprodução ou não partam para as áreas de invernada. Assim, o suiriri chega mais numeroso na época chuvosa; no período seco, só se veem raros indivíduos isolados.
2) Aves vistas na região só na época chuvosa, primavera e verão: andorinhão-do-temporal, bem-te-vi-pirata, bem-te-vi-rajado, bigodinho, chibum, guaracava-grande, irré, juruviara, peitica, peitica-de-chapéu-preto, suiriri-de-garganta-branca e tesourinha. Estes migram por aqui e nunca são vistos no outono e inverno. Muito possivelmente, vivem de insetos, sementes e frutos, mais abundantes no tempo das chuvas. O bigodinho, ou “mestrança”, se reproduz no sudeste do Brasil e norte da Argentina e Paraguai e migra para o centro e o oeste da Amazônia via Brasil Central; outra população se reproduz na Caatinga (norte de Minas e nordeste do Brasil) e migra para a Venezuela pelo Pará e pelo Suriname. As duas têm cantos (dialetos) bem diferentes. A maioria canta o dialeto do sudeste brasileiro, mas, em dezembro de 2011, época excepcionalmente seca, pude ouvir duas aves com o dialeto da Caatinga, porque parte dessa população nos visitou naquele período.
3) Aves registradas na baixada caracense só na época seca (outono e inverno): sabiá-ferreiro e sabiá-una. O sabiá-ferreiro migra do Sul para o Norte, “fugindo” do inverno. O sabiá-una ocorre o ano todo na RPPN-Santuário do Caraça. Assim, os raros indivíduos vistos aqui na baixada caracense podem ser migrantes altitudinais, que descem a serra no período mais frio. O mesmo parece ocorrer com a maria-preta-de-garganta-vermelha, típica de serras, cuja parte de sua população desce a serra no outono e no inverno.
4) Aves cujos padrões migratórios ainda não se identificaram: alegrinho, andorinha-do-campo, andorinha-grande, bacurau-chintã, bacurau-tesoura, barulhento, caburé, caneleiro-de-chapéu-preto, coleirinho, falcão-de-coleira, gavião-de-rabo-branco, gibão-de-couro, gritador, guaracava-cinzenta, maria-cavaleira-de-rabo-enferrujado, maria-ferrugem, martim-pescador-grande, narceja, papa-moscas-cinzento, saci, saí-andorinha, sanhaço-de-fogo, tuju e uí-pi. Em dezembro de 2001, achei morta, no Capão da Coruja, uma andorinha-do-campo com anilha na pata. Informei o código ao órgão responsável pelo estudo das migrações de aves no Brasil (o CEMAVE). Disseram-me que havia sido marcada por um colega em maio daquele ano, em Camaçari (Bahia).
Na região, a “gaivota” (taperuçu-de-coleira-falha) chega aos milhares à Serra do Caraça em julho e agosto, reproduz-se nos picos da região em novembro e dezembro e parte, sabe-se lá para onde, em fevereiro e março. Em nossa baixada, a espécie foi vista em voo, de outubro a janeiro.
Vê-se a importância desta região como ponto de passagem para espécies migratórias. Preservando-a, garantiremos a conservação destas aves.
Duas espécies de aves consideradas migrantes austrais, mas que são registradas durante todo o ano na baixada caracense:
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Fotos: Diego Hoffmann.
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1 Os nomes populares seguem a última revisão das aves do Brasil, apresentada pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2015) – Revista Brasileira de Ornitologia, 23(2): 91–298.