Num ano, recebemos grupos de todos os tipos. As escolas chegam cedo e voltam de tarde, com visita aos lugares da casa (santuário, catacumbas, claustro e seu relógio do sol, ruínas, museu, biblioteca e auditório, refeitório e cantina… Fora do conjunto arquitetônico, vão aos passeios mais próximos, Cascatinha, Prainha, Banho do Belchior, os Tabuões, o de cima (para os alunos menores, com “areias movediças”!) e o de baixo (para os mais aventureiros). Quando voltam, vão de olhos cheios de novidades e de real tristeza, pois faltou conhecer o resto, como o lobo-guará que só vem de noite (e agora, também a anta, veja só!).
Grupos especiais são as famílias. Vêm de bisavô a bisneto, tios, tias, primos e primas, para casamento, batismo, bodas de prata e de ouro, para comemorar a tese de doutorado, para um reencontro e a reconciliação do casal, na emoção incontida dos filhos que nem acreditam que os pais, afinal, vão se entender e voltarão a ser a mesma família, sofrida mas feliz, magoada mas capaz de perdão.
Bonito quando vêm a netarada e até os bisnetos, para os 80 anos do avô ou os 90 da avó. Meninas para os quinze anos, com a corte dos adoradores, primos e colegas, uma juventude inacreditável.
Há quem venha para aconselhamento e orientação espiritual.
Outros encontros são de gente muito compenetrada, os filósofos da Universidade, os quânticos da outra Universidade, os ornitólogos, os herpetólogos, os micólogos, os malacólogos, os liquenólogos, toda essa gente simpática, de dedicação incansável e exemplar, que sai de madrugada e volta de noite, tendo visto centenas de bichos de suas listas e acrescentado dezenas às listas anteriores, onça, tamanduá, peixe, cascavel, beija-flor-de-gravatinha-verde, grilos iguais a liquens, cheios de espinhos e perfeitamente camuflados nas pedras e nos troncos, flores minúsculas, folhas enormes, cipós vertiginosos, sombras e disfarces, quanta coisa que não teríamos visto, se não fosse o olho treinado da professora, do guia, do colega que já conhecia os mistérios e milagres do Caraça.
Diferentes de quem vem de visita, chegam também os funcionários e funcionárias, para os turnos de serviço. As cozinheiras madrugam para preparar pão de queijo, coalhada, pasta para as panquecas, mel, bananas, melancias, manteiga da casa, tantos bolos, pães e biscoitos. Dizem que antes fazemos sofrerem os hóspedes, com ofertas que só engordam e depois tentamos compensar com aqueles passeios maratônicos, de super-heróis… Todos notam a alegria dos que vêm trabalhar, que chegam dando bom-dia, sorrindo amigos e já prontos para as primeiras informações e ajudas. O ano inteiro, os hóspedes agradecem a gentileza dos monitores, o sorriso e a prontidão das arrumadeiras, nem sempre o silêncio deles e sobretudo delas, quando passam nos corredores em cujos quartos algum hóspede ainda dorme. E quando vão embora, no ônibus que os devolve às famílias, sempre lhes digo: “Bom descanso”, sabendo que ainda vão fazer a janta, lavar roupa, ajudar nos deveres escolares dos filhos, tratar das galinhas, atender a mãe doente, o vizinho que está com a mulher no hospital e pede uma ajuda para serenar as crianças, etc., a vida corajosa, silenciosa e heroica dos trabalhadores anônimos, sorridentes, eficientes, divertidos, felizes de estarem servindo no Caraça, depois do pai, do avô, da bisavó…
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Das missas já tive ocasião de falar noutras edições deste jornal. Dos batizados também. Meu medo é que a família esteja fugindo da paróquia, nem sempre por terem a mística do Caraça e porque os pais também foram batizados aqui e agora os filhos, um dia os netos…
Há os que vêm para o almoço e gostariam de ficar para o jantar e depois ver o lobo-guará (e agora, até a anta!). Se não estão hospedados, devem descer de tarde, talvez até vejam o lobo e a anta na estrada, mas não podem ficar, porque já não temos os funcionários para todas as emergências e necessidades. Quando se hospedarem… Alguns eu sei que vêm para o café da manhã, para o fogão de lenha, os ovos na chapa, as coisas que os hóspedes estão contando do lobo, da anta, do cachorro-do-mato. De modo que o Caraça oferece de tudo para todos os gostos, até jogar conversa fora, até aprender das crianças pequenas o encantamento, a observação admirada, o sonho que tiveram depois com o lobo-guará, como eu falara, montando no cangote deles, só no sonho!, agarrando as duas orelhas e trotando feito com um cavalinho, mas só no sonho! E me contam como o lobo come, como fica cuidando na escada, como levou comida para os filhotes (era isto?!).
Assim, entre acertos e erros, passamos o ano, contentes pelo esforço, serenos pelos resultados, esperançosos pelas amizades que se firmam a partir do serviço, da alegria, da educação feita dedicação e acolhimento.
Padre Lauro Palú, C.M.