Em todo o mundo, durante este ano da graça do Senhor, muitos grupos, Congregações, Movimentos, Associações e indivíduos isoladamente estarão vivendo um acontecimento muito especial, um desses gestos “fundadores”, que desencadeiam ondas imensas, de energias insuspeitadas e, graças a Deus, praticamente irreprimíveis.
Como se faz um Santo
São Vicente de Paulo, fundador da Congregação que hoje possui e mantém o Santuário do Caraça, nasceu no sul da França, num pequeno lugar chamado Pouy, em 1581. Foi ordenado Padre em 1600, com 19 anos, o que indica que fez alguma coisa para poder antecipar tanto a ordenação, já que a idade regular era (e ainda é) 24 anos. São Vicente ainda não havia descoberto o mundo que o fascinou, alguns anos depois de feito Padre. Sua preocupação ainda era conseguir um modo de ganhar honestamente os meios de sustentar-se e ajudar sua família, que era bastante pobre.
Mas Deus o conduzia providencialmente para uma especialíssima missão. Para isto, Deus o dotara de muitas qualidades humanas, como inteligência, capacidade de organização, liderança eficiente, simpatia, gosto de trabalhar com gente, jeito de descobrir as qualidades dos outros e a maturidade (progressiva) que o fizesse trabalhar com muita gente sem se sentir ameaçado ou diminuído pelas qualidades dos outros, uma energia incansável no trabalho que empreendia, depois de ter estudado bem as coisas, as circunstâncias, os meios de que dispunha, as pessoas que o poderiam ajudar. Tinha um dom muito particular de descobrir líderes, que poderiam tornar-se multiplicadores da ação dele no serviço dos Pobres, e de os formar para as tarefas que empreenderiam.
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Entre 1611 e 1617, numa sequência de fatos corriqueiros e de aventuras inacreditáveis, ele foi sendo levado por Deus para definir e mudar de modo muito inesperado o rumo de sua vida.
Assim, em 1617, ele estava trabalhando como capelão de uma família rica e importante, os GONDY, cujas propriedades se estendiam com condados, baronatos, etc., propriedades que a Família administrava e onde viviam populações muito pobres e necessitadas, vítimas, quase cada ano, das incursões de soldados dos exércitos que guerreavam reinos e países vizinhos e invadiam a França, onde saqueavam as vilas e cidades, despojavam o povo de seus pertences, especialmente de suas colheitas e seus rebanhos. No início do ano, estava com os Gondy em Folleville, ao norte da França. Pediram-lhe que confessasse um ancião que estava para morrer e era considerado um homem muito bom, muito santo. E ficou chocadíssimo com a situação do pobre doente, por sua necessidade espiritual. O velho, depois de confessar-se, contou à senhora Margarida de Silly que estava, havia muitos anos, em situação de pecados muitos graves que nunca tivera a coragem de confessar aos padres da região, por vergonha.
A Condessa falou a São Vicente: Se aquele homem que era considerado um santo estava nessa situação, como não estariam os outros, o povo em geral. São Vicente lhe perguntou o que ela sugeria e ela pediu que ele fizesse um bruto sermão, para orientar o povo sobre a confissão, para que pudessem rever suas vidas, arrepender-se de seus pecados, e se confessasse. NO DIA 25 DE JANEIRO DE 1617, São Vicente pregou, com tanta força, tanto zelo, tanto discernimento, que todo mundo queria confessar-se. Ele disse mais tarde que esse foi O PRIMEIRO SERMÃO DA MISSÃO. Teve que chamar padres da vizinhança para ajudar a confessar toda a gente.
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O que é que um Santo faz
No mesmo ano, em agosto, São Vicente já estava trabalhando como pároco em Châtillon-les-Dombes, uma vila muito pobre e necessitada. Quando punha os paramentos para celebrar a missa, alguém lhe disse que uma família no fim da vila estava toda doente, pai, mãe, filhos, e ninguém em pé que os pudesse ajudar. Fez o sermão, pediu ao povo que alguém fosse ajudar, levando alguma comida, etc. E ele mesmo, de tarde, foi visitar os doentes. Viu uma quantidade de gente que ia e os que já estavam voltando de lá. Parecia uma procissão, disse o Santo. Quando chegou, viu o casa cheia de comida, que as pessoas tinham levado E logo sentiu que com o calor insuportável do mês de agosto naquela região, no dia seguinte tudo ia começar a apodrecer e perder-se. Voltando, chamou algumas pessoas que vira na estrada (e contou que algumas senhoras muito gordas, sentadas na beira do caminho, se abanavam esbaforidas, parecia que estava vendo toda aquela boa vontade). E refletiu com elas que estava tudo muito bonito, muita gente ajudando, muita caridade, mas bem mal organizada. E combinou quem levaria ajuda na segunda, quem na terça, o da quarta, na quinta quem iria, a sexta ficou para quem?, um voluntário para o sábado? E domingo, enfim, iria mais gente?
E houve gente que dissesse: “E nós? Que dia iremos?” São Vicente respondeu que procurassem, pois, certamente, haveria outros doentes na paróquia, igualmente precisados mas ainda desconhecidos. E, com essas primeiras voluntárias, São Vicente fundou a Associação feminina mais antiga ainda existente na Igreja: as Senhoras da Caridade, hoje chamadas Voluntárias da Caridade, presentes no mundo inteiro, reunidas na Associação Internacional de Caridades. São Vicente comentou várias vezes que foi lá que começou “a Caridade”, e assim se chamava cada grupo.
E por isso, a Associação Internacional é de Caridades, dos grupos de multiplicadores que ele soube encontrar, despertar e formar.
Mas esta bonita história foi só a primeira parte… Ainda vem mais!
O que é o Carisma Vicentino
A mudança que houve na vida de São Vicente começou, de fato, quando fez a Deus um voto de trabalhar com os Pobres, para ajudá-los em suas tremendas necessidades. Ele mesmo disse, numa conferência sobre o espírito de fé: Não devemos ver os Pobres só na sua aparência, pois às vezes estão de tal modo feridos, esfarrapados, doentes, sujos e grosseiros que nem parecem pessoas humanas. MAS VIREM A MEDALHA e verão, pelas luzes da fé, que OS POBRES SÃO PARA NÓS COMO JESUS E REPRESENTAM O PRÓPRIO FILHO DE DEUS, DESFIGURADO E SOFRIDO NA PAIXÃO.
Em 1625, São Vicente oficializou um grupo de padres que trabalhassem com ele na evangelização e no serviço dos Pobres. Fundou a Congregação da Missão, sua segunda obra principal.
Em 1628, São Vicente conversava com o Bispo de Beauvais sobre a formação dos moços que desejavam ser Padres. O bispo não sabia como fazer para melhorar a formação deles, pois alguns não sabiam nem celebrar a missa ou administrar um sacramento. São Vicente se ofereceu para ajudar, se o Bispo mandasse seus candidatos para a casa dele, em Paris, e durante umas duas semanas de retiro, daria uma formação intensiva sobre o modo de o Padre pregar, celebrar a missa, confessar as pessoas, batizar as crianças, fazer casamento, ungir os doentes e prepará-los para a morte. Mais tarde, começou a trabalhar com os seminários, onde os moços teriam vários anos de preparação e seriam bons padres. Pensando na formação contínua dos padres, São Vicente começou um trabalho de reuni-los em grupos de estudos, as conferências das terças-feiras: os padres contavam o que tinham feito na semana, discutiam o que estava bem, viam o que andava mal, preparavam suas atividades, enfim, continuavam estudando depois da ordenação. E, mais adiante, São Vicente foi chamado pela Rainha da França para fazer parte do Conselho de Consciência, uma espécie de Ministério da Religião, que apresentava candidatos para serem Bispos, escolhendo-os entre os padres mais capazes, mais bem formados, mais zelosos e até santos.
E assim, pouco a pouco, São Vicente foi dando uma nova orientação ou, melhor, uma nova dimensão à sua vida e ao seu trabalho. Como via nos Pobres o próprio Cristo, desfigurado e sofrido da Paixão, também VIU NOS PADRES O MESMO CRISTO, que ele contemplava, adorava e servia como O ADORADOR DO PAI, O REVELADOR DO PAI AOS POBRES, COMO O EVANGELIZADOR DOS POBRES.
Esta é a dimensão mística do carisma de São Vicente: CARISMA é uma graça especial que Deus dá a uma pessoa, não apenas para a santificar, mas para a preparar para o serviço da humanidade, na Igreja e na Sociedade. O carisma de São Vicente, então, a graça especial de Deus que o preparou para o cumprimento de sua missão no mundo, foi o encontro com o Verbo Encarnado, com Jesus Cristo, Filho de Deus e nosso Salvador, que ele descobria, amava e servia na pessoa dos Pobres e dos Padres. Por isso, deixou escrito, nas REGRAS COMUNS, que preparou a vida inteira para dar aos seus Padres e Irmãos na Congregação, que “seu fim é 1º trabalhar na própria perfeição, fazendo o possível para praticar as virtudes que este soberano Mestre se dignou ensinar-nos de palavra e com o exemplo; 2º evangelizar os Pobres, mormente os camponeses; 3º ajudar os eclesiásticos a adquirir as ciências e virtudes necessárias ao seu estado” (Regras Comuns, capítulo I, nº 1).
O Carisma Vicentino nos dias de hoje
A Congregação da Missão, na Assembleia Geral de 1980, preparou as atuais Constituições, que a Santa Sé aprovou em 1984 com a atualização das intuições e dos objetivos de São Vicente: “O fim da Congregação da Missão é SEGUIR CRISTO EVANGELIZADOR DOS POBRES. Este fim se realiza, quando os Coirmãos e as Comunidades, fiéis a São Vicente, 1º Procuram, com todas as forças, revestir-se do espírito do próprio Cristo (RC, I, 3), para adquirirem a perfeição conveniente à sua vocação (RC, XII,, 13); 2º se aplicam a evangelizar os Pobres, sobretudo os mais abandonados; 3º ajudam os clérigos e os leigos na sua própria formação e os levam a participar mais plenamente na evangelização dos Pobres” (Constituições, art. 1).
2017 é para nós um ANO JUBILAR, celebrado, no mundo inteiro, com promoções de todos os tipos.
Textos: Padre Lauro Palú, C.M.
Fotos: Irmão Adriano Ferreira, C. M.