A Cascatona na voz e no coração do Padre Sarneel
“A Cascata Grande é a primeira das sete maravilhas do Caraça. Antes da inauguração, em 1926, da estrada de automóvel, era o ponto por onde o peregrino tinha de passar, a cavalo ou a pé, quisesse ou não quisesse. Tinha de costear, à sua direita, em ladeira apertadíssima, uma muralha gigantesca, fortemente inclinada, quase a tombar, sem vegetação alguma, pingando gotas de água asquerosa e eriçada das rochas salientes que ameaçavam soltar-se, desabar, esmagar-lhe e fazer-lhe em migalhas todos os ossos do corpo. Apeava então, segurava e puxava pelo cabrestão a cavalgadura que, empacando, tremia também. Ambos, depois, continuavam pé ante pé, rolando sob os seus passos as pedras daquela terrível passagem. Tropeçassem, cairiam os dois no precipício que fica à esquerda. Poderia chamar-se passo mortal a rampa estreita e pedregosa. Muito bem fez o piedoso Superior, Padre João Vaessen, em construir ali um oratório, embora inexpressivamente gótico, e colocar nele a imagem da Virgem. E muito melhor ainda, o dinâmico Padre Jerônimo de Castro que traçou e executou a nova estrada que sobe, menos perigosa, a serra caracense.
O lugar acima descrito é, sem dúvida, o sítio mais pitoresco que o romeiro possa gozar. Do alto da rocha nua, contempla risonhas paisagens que se estendem ao longe, semeadas de grupos de habitações branquinhas, ondeadas de verdes colinas, coroadas ali dos dorsos redondos e acolá dos picos agudos de negras montanhas, por cima das quais estão suspensos, por vezes, e se desdobram mantos de transparentes nuvens que a luz do sol purpureia ou doura. Não há, em Minas, panorama igual, quadro tão sublime, vista que encante tanto.
No Caraça, tudo é grande, tudo é belo. Mas a maravilha das suas maravilhas é a Cascata Grande. É formada pelo rio Sumidouro que, depois de nascido na Verruguinha e se ter divertido, serpeando pelo vale, se esconde, desaparecendo debaixo da terra, entre rochedos cobertos por uma densa mata, a que se deu o nome de Funil. Corre alguns instantes, desse modo soterrado e, de repente, destapa-se e precipita-se de novo no espaço, assustando, pulando, gargalhando. É a Cascata Grande que salta, retumba, assusta.
O seu salto é de mais de cem metros. A sua água, que abre passagem entre mil blocos de pedra, esguicha, repuxa, desce e cai em borbotões de espuma… Soa, ressoa e ecoa com o fragor do mar que bate em penhascos. E, por sobre essa longa faixa de prata, flutua uma neblina eterna, onde, nos dias de sol, arcos celestes se movem e trepidam como a luz brilha e rebrilha nas facetas de um prisma. Deslumbrante o espetáculo que a natureza caracense oferece à admiração dos romeiros.
Se fores engenheiro, turista, calcularás a potência daquela volumosa queda d’água, estudarás a possibilidade da sua captação e esboçarás uma usina capaz de levar a cidades distantes luz e força elétrica. Digna de aplausos a tua ciência e técnica. Mas, caro engenheiro, aproveita também a tua visita à Cascata Grande para cantar e adorar o Criador do céu e da terra… Mistura a tua voz à voz que tão perto de ti troa no abismo, em louvor ao bom Deus que fez o Caraça tão grande e tão belo, “desde a Cascata soberba até o pobre lagrimal”.
Padre Pedro Sarneel, C.M.
Guia Sentimental do Caraça, 1953