Padre Júlio José Clavelin, C.M.
O Padre Júlio José Clavelin nasceu na França, a 07 de abril de 1834, na aldeia de Neuvy-sur-Seille. Sentindo-se chamado à consagração presbiteral desde muito jovem, entrou no Seminário Menor de Nozeroy, onde passou nove anos. Logo após cursou Filosofia, em Vaud-sur-Poligny. Seu sonho de ser Missionário pode ter sido alimentado pela influência de seu tio, Padre Gabet, que era Padre da Missão, e de uma sua tia que era Filha da Caridade. O fato é que foi recebido na Congregação da Missão no dia 18 de setembro de 1856, para fazer seu Seminário Interno em Paris, emitindo seus votos dois anos depois. Foi ordenado Padre no dia 25 de maio de 1861. Seis meses depois, foi enviado para o Brasil.
Em terras brasileiras, trabalhou na Bahia, no Seminário Santa Teresa, como professor e ecônomo (1861). Depois foi enviado para o Caraça, no dia 26 de maio de 1862, como professor, chegando a ser Superior da Casa de 1867 a 1885. Em 1885 foi transferido para o Rio de Janeiro, para a Casa Central, como capelão. Em 1886, ainda no Rio de Janeiro, foi nomeado superior da comunidade da Santa Casa. Em 1888, outra transferência o enviou de novo para a Bahia, seu primeiro local de trabalho, mas agora como Superior do Seminário Santa Teresa. Em 1892, retornou para o Rio para ser Superior do Seminário São José do Rio Comprido. Em 1898, foi nomeado Visitador da Província Brasileira da Congregação da Missão. Após seu mandato, foi nomeado Superior da Casa Central (1900). Faleceu no dia de seu aniversário, 07 de abril de 1909, completando 75 anos, dos quais 46 no Brasil e 23 no Caraça.
Padre Clavelin foi, sobretudo, exímio educador. De inteligência vasta, alma aberta a grandes ideais e vontade inquebrantável na prática do bem, serviu com esmero e dedicação o Colégio do Caraça, fazendo do afamado Colégio um lugar de excelência acadêmica, foco de ilustração e centro de piedade.
Os anos de seu Superiorato foram os mais gloriosos do Caraça. Em 1867, seu primeiro ano de governo, o Colégio tinha 113 alunos, sem contar os Seminaristas Maiores de Mariana. Em 1873, esse número subiu para 202 e, em 1874, para 205. Durante doze anos, oscilou entre 300 e 400 alunos.
Sob sua direção firme, unificou-se a disciplina. Um corpo docente numeroso, bem preparado e consciente de suas obrigações educacionais, muito contribuiu para o êxito de sua administração. O curso de humanidades prolongava-se por sete anos completos, nos quais se estudava latim quase em excesso. O sexto ano era dedicado ao estudo de história, retórica, matemática e literatura. E o sétimo era empregado para a filosofia e as ciências naturais.
Em seu Superiorato, importantes obras foram realizadas no Caraça. A primeira é a construção do prédio (hoje em ruínas), de 29 x 14m, para a melhor acomodação do Colégio, com salas de aula, laboratórios, salão de estudos e dormitório. Esta obra é a que ficava ligada à Igreja. Foi terminada em 1875, quatro anos depois de iniciada. A segunda grande obra, e certamente a mais importante e louvável, foi a atual Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, a primeira neogótica do Brasil.
Feito o grandioso projeto, obtidas as devidas licenças e contratados os operários, cerca de 40, na maioria portugueses e espanhóis, deu-se início à grandiosa obra, sob a direção do Superior, seu engenheiro e arquiteto. Em 1876, demoliram a pequena Ermida do Irmão Lourenço, resguardando apenas os altares laterais da entrada. A primeira pedra foi colocada e abençoada por Dom Luiz Antônio dos Santos, então bispo de Fortaleza, no dia 03 de setembro de 1876. Sete anos depois, eis que era inaugurado e abençoado o novo templo, no dia 27 de maio de 1883. Sua sagração foi precedida por Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, estando também presentes Dom Luiz Antônio dos Santos, agora arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, e Dom Antônio Correia de Sá Benevides, sucessor de Dom Viçoso no bispado de Mariana.
O próprio Dom Pedro II, em majestosa visita ao Caraça, entre 11 e 13 de abril de 1881, foi recebido na Igreja, ainda não terminada, para sessões solenes de arte e literatura, e para as homenagens da Casa ao ilustre visitante. Alguns trechos do Diário do Imperador mostram seu contato com o Padre Júlio Clavelin:
“Por fim, dobrando a ponta do morro, aparece, de repente, o edifício do Caraça, iluminado e de que descem pela encosta duas longas filas de luzes. Altíssimos rochedos em anfiteatro formavam o fundo do quadro. Era belíssimo, mas a lua e as estrelas elevavam-me os olhos a maior altura. Apeei-me e subi com as filas das luzes. Passei pela capela que constroem e cuja arquitetura agradou-me. Tomei meu meio-banho, depois de conversar um pouco com o Superior Clavelin e diversos professores, sobretudo com o nascido em Constantinopla de família grega [Padre Socrate Collaro]. Jantar às 7 ¾. Depois informei-me dos estudos com o Superior” (11 de abril de 1881).
“O nome de Caraça provém ou da forma de caraça de uma das montanhas ou de um português que morou perto da serra. Assim ouvi ao padre Clavelin. Referiu-me ele que se supunha que Fr. Lourenço, terceiro de S. Francisco, e fundador do Caraça, pertencia à família Távora e por isso fugira para o Brasil. O capitão-geral de Minas Bernardo José de Lorena tratava-o com muita estima e deixou-lhe sua baixela. Acharam o testamento de Fr. Lourenço que parece desmentir a legenda dos Távoras. Fr. Lourenço comprou a primeira terra a faiscadores, doou-a a D. João 6º que mandou vir Fr. Leandro e Viçoso a quem deu a terra com o princípio de edificação da capela que se constrói no lugar da antiga construída por Fr. Lourenço. 6 janelas de cada lado – que fizera Fr. Lourenço. Depois houve uma licença de meu pai para adquirirem mais terra e enfim há pelo menos uma que possui a congregação sob nome de outrem. Respondi a Clavelin que era preciso regularizar a situação. (…) Na saleta onde escrevo a bons livros pertencentes ao padre Clavelin, ou padre Sípolis, alguns de história natural. São quase 8h e vou para a missa que disse Clavelin no refeitório anterior ao atual. (…) Reuniram-se os professores e os estudantes na Capela que se constrói iluminada com velas em lustres de papel. O espetáculo era muito belo. Dirigiram-me discursos em francês Clavelin (…). Ia me esquecendo dizer que na volta da represa vi araucárias, e disse-me Clavelin que no tempo da visita de meu pai ainda existia uma alameda delas plantadas pelo irmão Lourenço” (12 de abril de 1881).
No dia 18 de maio de 1882, o bispo de Mariana, Dom Sá Benevides, veio ao Caraça, onde estava seu Seminário Maior, para presidir a ordenação presbiteral de 15 diáconos, o que possivelmente tenha acontecido na Igreja ainda por terminar.
Terminada a construção, foi o Padre Clavelin para a Europa a fim de descansar um pouco, rever os parentes e conseguir mais alguns recursos para o embelezamento de sua Igreja. Voltando, além das críticas recebidas devido à construção de tão suntuosa Igreja em lugar tão distante de tudo, deparou-se com a crescente diminuição de sua visão, devido à catarata. Numa carta de 09 de maio de 1885, escreveu: “Antes de três meses estarei completamente cego”. A 06 de junho do mesmo ano, escreveu ao Visitador pedindo a exoneração do cargo de Superior: “Uma vez a mão sobre o papel, escrevo com certa facilidade, mas não consigo ler o que escrevo a não ser por meio de forte lente. Esta enfermidade obriga o Superior a me tirar a cruz que carrego há 18 anos, cruz que se tornou mais pesada depois que voltei da Europa”.
Apresentando seu trabalho e suas dificuldades ao Superior Geral da Congregação da Missão, assim escreveu o Padre Clavelin, no dia 29 de maio de 1885:
“Minha administração foi um desastre, é verdade, mas não sob o ponto de vista temporal. Nestes 18 anos, as terras pertencentes ao Caraça foram aumentadas em mais de um terço, graças a doações. O espaço habitável da casa foi duplicado, e não se pode dizer que houve exagero nas construções, pois há apenas três meses, não obstante o espaço deixado livre pela saída do Seminário Maior, o Padre Visitador, generosa, espontânea e gratuitamente, ofereceu mais 20000 francos em nome da Congregação para continuar as construções começadas e interrompidas há sete anos. Além do aumento indispensável das habitações, foi possível, com as esmolas recebidas, construir uma igreja não menos indispensável, como reconheceram os sucessivos Visitadores da Província. Para fazer face a estas despesas, eu não tomei emprestado, não roubei e nem mesmo contraí dívidas, e a situação financeira da Casa é, certamente, mais próspera que em 1867, época da tomada de posse. Naquele ano, as receitas não passavam de 40000 f., enquanto que, no ano passado, com o mesmo número de alunos, as receitas foram superiores a 120000 f.
Para as compras que julguei poder fazer em Paris, no ano passado, eu contava com recursos disponíveis, mas não podia prever o que me aguardava, ao voltar. Como não posso justificar-me sem acusar os outros, prefiro, mil vezes, ceder à tempestade levantada contra mim.
Além das razões expostas, eu estou cego, quase cego. Meu olho direito está completamente dominado pela catarata e o esquerdo sofre do mesmo mal. É com dificuldade que escrevo à luz do sol e toda leitura me é impossível depois do sol posto. Com esta enfermidade, já não posso cumprir meus deveres de superior. Uma só coisa me incomoda: estou me tornando pesado à Comunidade. Ficar aqui seria embaraço para o meu sucessor, por isto lhe peço queira chamar-me a Paris para aí morrer em um canto obscuro, desconhecido de todos, unicamente ocupado em expiar meus pecados”.
Esta emocionante carta apresenta, mesmo que minimamente, a enormidade do coração do Padre Clavelin e a seriedade com que assumiu todos os encargos que lhe foram confiados, sem pensar em seu bem pessoal, mas unicamente no bem da Congregação e da formação do Clero.
Transferido do Caraça para o Rio de Janeiro, por seus insistentes pedidos, pôde se recuperar e ainda teve fôlego e visão suficiente para construir duas outras igrejas neogóticas, na Praia do Botafogo (Igreja Imaculada Conceição), no Rio de Janeiro, e na Bahia. Também pôde dirigir sabiamente dois outros Seminários e ainda ser o 12° Visitador da Província Brasileira da Congregação da Missão (1897-1900).
Sem dúvida, Dom Pedro II tinha razão quando afirmou em seu Diário, a 12 de abril de 1881: “O Padre Clavelin me parece uma excelente pessoa!”